Leco, o manezinho das pranchas dos campeões

texto FERNANDO BOND
fotos FERNANDO BOND FILHO

O cara que faz o ‘shape’ da prancha de algumas das estrelas do surfe mundial é manezinho, nascido em 1979 na Maternidade Carlos Corrêa e é muito pouco conhecido pelo nome de batismo: André Costa.

Mas se você perguntar pelo ‘Leco’ em Gold Coast, principalmente na região de Snapper Rocks – o santuário das boas ondas -, todo mundo sabe quem é, fale a língua que falar, porque a língua dos surfistas é uma só.

E por causa desse dialeto comum, também em Floripa, André também ficou conhecido como Leco, menino que aos 7 anos, em 1986, já batia foto em cima de uma prancha que ganhou de um irmão mais velho, Fernando. E o cenário era a região do Rio Tavares, onde viviam sua mãe, a merendeira Maria de Lourdes, e o pai, o pedreiro Manoel Costa.

“Uma das lembranças que tenho daquela época é do meu avô Firmino transportando peixe numa carroça”, conta Leco, enquanto tempera frutos do mar para uma “moqueca manezinha” na casa na praia de Kirra, outro berçário de lendas do surfe mundial na região de Snapper. Não é difícil sentir que Leco se emociona ao contar essa história, com um carregado sotaque de manezinho.

A vida do menino mudou quando conheceu uma família amiga, que tinha uma casinha simples na praia do Matadeiro. “Eu tinha uns 14 anos quando eles disseram que eu podia ficar por lá, que não precisava nem de chave. Muitos ‘brothers’ passaram por lá; o surfe passou a ser minha vida, conheci todo mundo que surfava na cidade naquela época”, lembra o manezinho.

Tanto foi assim que Leco começou a fazer ‘remendos’ em pranchas – o que, sem dúvida, foi o início da carreira de sucesso que ele tem hoje como shaper.

Por isso, é preciso falar sobre o destino. E Leco volta uns anos atrás, a 1992, para contar uma história que o marcou para sempre: “Havia uma outra família amiga que tinha filhos da minha idade que surfavam e iam para um campeonato em Palmas. Eles me convidaram para ir de carona, mas minha mãe não deixou. Fiquei muito triste. Infelizmente eles bateram com o carro de frente com uma carreta, morreram todos, foi uma tragédia. Eu era para estar lá”.   

O novo século chegou e, com ele, boas e más notícias. “Um amigo meu montou uma fábrica de pranchas no continente e fui trabalhar com ele. Logo em seguida, fomos para o Rio Vermelho, lá por 2002”, ele lembra. Mas em 2001 a mãe Maria de Lourdes havia morrido e isso “pesou muito” para o filho, àquela altura com 22 anos. Do sofrimento ele resolveu fazer superação e foi importante quando cruzou sua vida o já famoso shaper da Rusty Alzair Russo, na fábrica do Rio Vermelho. “Ele trouxe o Mundial de Stand Up Paddle para Floripa e nossa ligação ficou tão forte que, depois de 13 anos sem a gente se ver, o Russo veio me ver aqui em Gold Coast. Agora ele está em Bali fazendo pranchas”, diz Leco.

E nessa época, começo do século, começam a surgir outras “estrelas” do shape na história desse manezinho: Eduardo Crivella, que chegou do Rio de Janeiro direto para Canasvieiras; Guga Arruda, pioneiro na fabricação de pranchas de carbono no Brasil e no mundo, no Rio Tavares. Mas o surfe já não podia ser mais o único meio de vida.

“Trabalhei de office-boy no Ceisa Center, numa empresa de contabilidade no Estreito, guardava dinheiro em casa, para seguir o conselho da minha mãe, de viajar pelo mundo”.

Leco conseguiu comprar um fusca e uma moto e foi chamado por Guga Arruda para trabalhar numa fábrica de pranchas que ele estava montando no Rio Tavares. Mas Leco já não tinha mais a cabeça em Floripa. Vendeu o fusca e a moto e conseguiu comprar uma passagem para a Nova Zelândia – “não sei porque, senti que nunca mais ia voltar”. Era a primeira viagem de avião: “Fui lá na traseira, suava muito de medo. Uma menina pegou na minha mão”.

Sem falar uma palavra em inglês, desembarcou com três pranchas em Auckland, mas já com um trabalho engatilhado, para colher kiwi em Mont Maungani, lugar de excelentes ondas. Foram duas temporadas de colheita, em 2006 e 2007, “mas todo mundo já sonhava em ir para a Austrália. Tinha umas fitas DVD com vídeos gravados aqui em Snapper Rocks… era um sonho”.

Em 2008 o sonho se concretizou. Leco chegou em Gold Coast e dividiu as ondas com o trabalho na cozinha de restaurantes. Três meses depois estava numa fábrica de pranchas em Currumbin, uma praia deslumbrante. E aí, o destino literalmente bateu à porta na casa que Leco dividia com amigos em Coolangata, que é o bairro onde ficam Kirra e Snapper Rocks.

Pri, Maya e Leco cozinhando a ‘moqueca manezinha’

Era Priscila, uma surfista carioca que chegou para assistir ao mundial em março de 2009 e se apaixonou pelo lugar.

Meses depois, Priscila já tinha pegado as coisas no Rio de Janeiro e foi de vez para Gold Coast – ela não demorou muito para cruzar o caminho (ou melhor, nas ondas) de Leco. Pri, como todo mundo chama, acabou comprando uma prancha usada que tinha sido fabricada por Leco e daí tudo foi acontecendo – até que começaram a namorar em 2010 – e seis meses depois estavam casados. Em 2014, Maya chegou à vida do casal e fez parte de todas as aventuras dali por diante, inclusive dos dois anos e meio pelas estradas australianas no programa “Kirra by Bus” que a família estrelou. E também na pandemia, onde continuaram morando dentro do ônibus já de volta a Gold Coast – Leco fez a festa de 40 anos ao ar livre.

Esta é a bela história desse manezinho, que pode ser visto sempre surfando em Snapper com a Pri e a Maya. Quando não está por ali, está desde as 4 da manhã ‘sheipando’ para os grandes campeões mundiais na fábrica de pranchas ou construindo as suas próprias, que batizou de “Black Eye”. E aqui vai uma pequena lista daqueles que já tiveram a prancha sheipada por Leco: nada menos do que o onze vezes campeão mundial Kelly Slater, o tricampeão Gabriel Medina, Miguel Pupo e o havaiano John John Florence. Quer mais?

Sim, mas quem quer mais é Leco. “Meu sonho é voltar a Floripa e fazer umas pranchas lá, principalmente para crianças, como eu faço aqui”. E brinca, como todo bom manezinho: “Quem sabe alguém me convida, não tem?”.   

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