Os manezinhos de Gold Coast

Ao norte da costa leste da Austrália, milhares de brasileiros – e especialmente os manezinhos – encontraram um lugar parecido com Floripa para viver, surfar, trabalhar e criar família

texto FERNANDO BOND
fotos GERRY NICHOLLS | FERNANDO BOND

Não é uma ilha, mas tem 55 quilômetros de praias paradisíacas, um centro urbano moderno, bairros com excelente qualidade de vida e é, sem dúvida, uma das mecas do surfe mundial. Gold Coast, a Costa do Ouro, é uma cidade de 600 mil habitantes, a 90 quilômetros ao sul de Brisbane, capital do Estado de Queensland, nordeste australiano, e passou a crescer turisticamente ainda na década de 1920, quando foi inaugurado o icônico hotel Surfers Paradise (Paraíso dos Surfistas). Hoje, Surfers Paradise é uma espécie de centro da cidade, com arranha-céus, estrutura urbanística avançada, trenzinhos VLT a circular pelas ruas e turistas do mundo todo a curtir um lugar que lembra Balneário Camboriú.

Mas a maior parte das praias lembra mesmo Floripa. E as mais belas ficam na famosa faixa de 16 quilômetros da Gold Coast Surfing Reserve, que vai de Burleigh Point até Snapper Rocks, esta sim o berçário de dezenas de campeões mundiais e lendas do surfe de todos os tempos. Aliás, em 2025, Snapper Rocks volta a sediar a primeira etapa da temporada da elite planetária do surfe, depois de quatro anos sem o WSL por conta da mudança do formato do circuito mundial.

E é em Snapper Rocks (rochas do snapper, um peixe abundante na região, semelhante ao nosso pargo) que vamos contar um pouco dessa história dos manezinhos e demais verde-amarelos que emigraram para esse outro paraíso na Terra. É nessa faixa de areia, pedras e vegetação exuberante que as ondas do mar atraíram desde o começo do século jovens brasileiros que chegaram com uma prancha embaixo do braço e um sonho na cabeça.

Um deles é meu filho e a história dele é
um pouco da história de cada um deles

Fernando saiu de Florianópolis em 2005, rumo a Auckland, na Nova Zelândia. Tinha apenas 21 anos, poucos dólares no bolso, a tal prancha e o tal sonho, e uma promessa de emprego na construção civil da maior cidade neozelandesa. Talentoso no design e outras artes da comunicação visual, queria seguir por esse caminho profissional. Na chegada em Auckland, logo se instalou numa “república” em que cruzou com diversos brasileiros na mesma situação que a dele – todos se ajudando para suportar os desafios de morar fora, da língua, do pouco dinheiro e da saudade de casa.

A partir daí são trajetórias muito parecidas com a do Fernando, mas é bom saber que muitos, talvez a maioria, desistiu e resolveu voltar. No caso dele, conhecer a sul-africana Tammy Abbott alguns meses depois de chegar a Auckland foi decisivo para a permanência. Logo ficaram juntos, a família dela o adotou e numa viagem a Sydney, na Austrália, resolveram que lá seria o lugar para estudar, trabalhar e fazer o futuro.

Já morando em Sydney, se casaram em abril de 2011 em Auckland e, em dezembro de 2015, nascia a australiana-brasileira Flora Maria, no moderníssimo e público Mona Vale Hospital. Depois de uma nova passagem por Auckland, no final de 2018 finalmente os Abbott Bond chegaram em Gold Coast, onde encontraram vários amigos de jornada que os acolheram como mais um membro da grande família brasileiro-australiana. 

Foi então que eles compreenderam melhor a grande conexão que a vida tem com o surfe naquele lugar que, assim como Floripa, muito se aproxima de um paraíso. Os australianos “nascem e vivem na água e na praia”. Começam o dia muito cedo, junto com o sol, pranchas ao mar, nas piscinas, academias, pistas – e não é por acaso que um país com apenas 27 milhões de habitantes ficou em 4º lugar nas Olimpíadas de Paris, atrás apenas dos superpopulosos EUA, China e Japão e bem acima do Brasil (com seus mais de 200 milhões de habitantes), que ficou em 20º.

Essa “rotina aquática” não é diferente para os Abbott Bond, nem para os brazucas. Depois da primeira sessão da manhã na praia, é hora de ir para escola e para o trabalho. E quando as crianças saem da aula, lá pelo meio da tarde, também os pais encerram o expediente e voltam novamente às atividades esportivas. É claro que um dia assim tão intenso acaba cedo, ou seja, termina com o pôr do sol. É preciso dormir cedo para repor as energias, porque lá pelas cinco da manhã tem mais.

É uma vida intensa, disciplinada e alegre. Flora Maria Abbott Bond, hoje com 8 anos, que o diga. Vai cedo surfar, depois escola até as três da tarde – com muita música e esporte no currículo – e quando sai, primeiro passa na biblioteca púbica para pegar uns livros, depois volta a surfar, ou vai andar de skate e pelo menos duas vezes por semana no jiu-jitsu.

Escada da Fama do Surf, em Rainbow Bay

E assim a aventura do Fernando
que começou em 2005 no vôo Floripa-Auckland,
vai se concretizando

Apartamento comprado, Tammy e ele trabalhando no que gostam e Flora Maria em mil atividades. Foi convidada para fazer parte do icônico Snapper Rocks Riders Club, berço do que nada menos que 11 campeões mundiais e de uma série de lendas do surfe. Isso já rendeu a ela algumas medalhas e troféus e também o apoio da Ghanda Kids. Ghanda é uma marca australiana de surf e streetwear, fundada em 1984 na cidade costeira de Torquay, conhecida pela famosa praia de Bells Beach, em Victoria. Flora Maria tem também nas redes sociais um programa de leitura, o Storytime With Flora, em que faz em vídeo um resumo de livros para os espectadores.

Isso tudo é a concretização do sonho de um dos manezinhos de Gold Coast. Que sonha um dia trazer a filha australiana, descendente de brasileiros e sul-africanos, para surfar nas belas ondas da Ilha de Santa Catarina.

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