Índio de todas as tribos

A arte de Elias Andrade, de Florianópolis para o mundo

textos: LU ZUÊ
fotos MARCO CEZAR

A partir da década de 1970, Florianópolis foi gradativamente se tornando uma metrópole, deixando para trás um estilo de vida mais comunitário, quando era possível conhecer as pessoas pelo nome, caminhar descalço pelas estradas sem movimento, pescar e colher no “quintal” de casa o que se precisasse, e até tomar banho de mar pelado, protegido pelos costões e pela privacidade das prainhas onde ninguém chegava. Elias Andrade, popularmente conhecido como Índio (apelido de infância), acompanhou de perto todas essas transformações, mas, manezinho em sua essência, faz questão de preservar este lado tradicional em suas pinturas. “As festividades e o folclore da Ilha são o carro chefe da minha produção.

Índio e Susane no ateliê

Trabalhos sobre a brincadeira do boi de mamão, a Festa do Divino Espírito Santo, a procissão da Nossa Senhora de Navegantes ganham destaque, mas também produzo materiais com temas contemporâneos”, explica o artista em seu ateliê, instalado no mesmo no terreno onde nasceu, criou os filhos e vive até hoje, na companhia da mulher, Susane Krischnegg que cuida da parte prática da vida enquanto Índio se dedica à arte, lá no bairro Sambaqui.

Desde criança, a inclinação para arte era evidente. Já a partir dos nove anos de idade, as professoras pediam que o garoto inquieto desenhasse capas para os trabalhos escolares. O interesse tanto pela pintura quanto pelo hábito de ler jornais foi motivado pelo pai professor: “Meu pai recebia muitas revistas e jornais de todo o país. Acho que li alguma coisa que me fez despertar e insistir nas artes. Além disso, não parei de ler jornais. Sempre acompanho o noticiário impresso e, quando, estou trabalhando, deixo a televisão ligada nos telejornais”, conta, com uma pitada de tristeza pelo pouco espaço que os jornais impressos têm hoje.

Ainda na infância, a mãe de Elias trabalhava como rendeira e também fazia roscas de polvilho que o garoto saía para vender nas ruas do bairro, com aquele jeito feliz que as crianças colocam em tudo que fazem – quando gostam. E lá ia ele, que com a mesma facilidade com que retratava suas ideias no papel, viajava nos pensamentos enquanto acompanhava as aulas de história e geografia.

E tudo sempre pareceu ter ligação: aquela simples experiência de vendas lhe seria de grande ajuda, quando mais tarde teve de comercializar os próprios trabalhos artísticos.

A arte, por gosto e como ofício

O ano de 1978 marcou o início de sua fase artística profissional, e passeou por diversas áreas. Com o incentivo de colegas numa empresa de cerâmica, utilizou da facilidade com que conseguia bons materiais (“a tinta era francesa, o papel espanhol, o pincel de pelo de Malta”, conta) e se dedicou às artes plásticas, nos mais variados suportes. Ao sair daquele emprego, ganhou de presente um tear manual e investiu na produção de cachecóis – com dois outros profissionais, chegava a finalizar trinta unidades por dia. Assim, trabalhou por doze anos produzindo os cachecóis, abastecendo as “boutiques” da moda em Florianópolis.

Somente a partir da segunda metade da década de 1980 pôde se dedicar exclusivamente às telas, esculturas e afins com um traço espontâneo, marcado pelas pinceladas livres e as cores vibrantes. “Quando saí para vender meus quadros, nunca bati à porta de desconhecidos. Sempre tive muita sorte com a indicação de amigos e conhecidos. Por meio destes contatos, continuo a vender para fora do país, principalmente para a Europa e os Estados Unidos”, explica o artista, com uma simplicidade encantadora e envolvente. Pouco antes do início da pandemia da Covid-19, enviou uma obra com a temática do Carnaval para Miami, na Flórida (EUA). As encomendas para o exterior chegaram a ocupar quase 50% de tudo o que produzia, mas a burocracia neste tipo de exportação o fez diminuir o ritmo. Uma obra sua também está em exposição na sede da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em Paris.

Ao longo da carreira, passou por diversas fases e experimentou diferentes materiais: da aquarela e guache, do bico-de-pena à pintura a óleo, suas obras já ganharam destaque em revistas nacionais, como a Veja e, mesmo, internacionais, como a Vogue francesa. Seus trabalhos já excursionaram pelas capitais do Rio de Janeiro e de São Paulo, além de países do Oriente Médio. Parece longe para um nativo da Ilha? Nada, se o foco for o talento espontâneo de Índio e a evolução ao mesmo tempo sutil e marcante que suas obras apresentaram ao longo dos anos. “Quando estou pintando, a obra é minha, mas quando fica pronta, passa a ser das pessoas, e é natural que vá embora”, conta, com a simplicidade de sempre.

Uma característica muito peculiar em suas exposições é a predileção por locais abertos, inspirado pelo cotidiano tranquilo que leva no Sambaqui. Mas também isso já rendeu fatos marcantes: em 1985, durante um destes eventos ao ar livre, um sujeito intitulando-se “O Salvador” destruiu 17 dos 23 quadros presentes na exposição. Posteriormente, como protesto, o artista exibiu novamente os quadros danificados na exposição Rever 86, promovida pela Associação Catarinense dos Artistas Plásticos (ACAP).

Tranquilo sim, mas sempre disposto para a pintura

O ritmo de trabalho segue intenso e lhe ocupa as manhãs. “Minha pintura é, em geral, bastante rápida: finalizo um quadro por dia. Trabalho de manhã, e agora estou pintando em casa porque, com essa pandemia, eu também passei a cozinhar minhas refeições. Assim, deixo a televisão ligada no noticiário, e faço o que é preciso”, revela.

Nos períodos de folga, curte a pescaria com tarrafas, e faz questão de deixar para os outros praticamente tudo o que retira do mar. Sobre as mudanças no país e na cidade, nestes mais de quarenta anos dedicados às artes, lembra com nostalgia: “Está tudo muito diferente. Para se ter uma ideia, das 80 famílias que moravam aqui quando nasci, só eu permaneci. Além disso, viver de arte no Brasil não é uma tarefa fácil. Mesmo enfrentando algumas dificuldades, consegui criar um público fiel ao meu trabalho. Hoje, tenho dois filhos formados na faculdade e sinto orgulho por ter tido a oportunidade de dar a eles uma educação de qualidade graças ao meu trabalho”. Os filhos chegaram a se interessar pela arte quando crianças, inclusive com alguns trabalhos vendidos. No entanto, ambos se formaram em engenharia florestal.

Atualmente, Andrade continua abrindo seu ateliê para os visitantes e recebe muitos pais que acreditam no talento artístico de seus filhos esperando alguma orientação. “Sempre procuro alertar que trabalhar com arte exige bastante dedicação e persistência. Ainda assim, atendo muitas crianças. É um jeito de conservar um pouco das tradições que aprendi e deixar um legado às próximas gerações”, conclui o Índio de todas as tribos.

Saiba mais
ELIAS ANDRADE (ÍNDIO)
(48) 3335-0035 / (48) 99986-4988
indioeliasandrade@hotmail.com
@indioeliasandrade
http://elias-andrade.blogspot.com/

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