MARIA DO ROCIO Luz Santa Ritta

Força feminina na Justiça catarinense

textos LU ZUÊ
fotos MARCO CEZAR

Coincidência ou não, o dia 8 de março – em que se comemora o Dia Internacional da Mulher – tem se revelado uma data vigorosa, de intensas conquistas para a personagem de capa desta edição

Nessa mesma data, no ano de 2005, a então juíza de Direito Maria do Rocio Luz Santa Ritta assumiu o cargo de desembargadora do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) e neste ano de 2024 chegou à Presidência do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-SC), empossada para o biênio 2024-2025, após já ter ocupado as funções de Corregedora e Vice-Presidente do órgão.
Obra de um acaso, ou decorrência do término do mandato do seu antecessor, o fato é que essa conjunção temporal marca indelevelmente a carreira profissional de uma libriana, reconhecidamente feliz no que faz, firme em suas posições, apaixonada pela justiça e pela função de decidir, de distribuir a cada um o que é seu de direito.

“Sempre foi muito forte em mim o sentimento de buscar realizar a justiça, tendo descoberto, a partir daí, a minha inclinação para a magistratura”


A magistratura não foi o seu foco primeiro, quando se decidiu por cursar Direito na UFSC. Recém-graduada, advogou por pouco tempo até perceber que não era bem a sua vocação, embora tenha registrado a sua profunda admiração pela advocacia. Afirmou, convicta, que “sempre foi muito forte em mim o sentimento de buscar realizar a justiça, tendo descoberto a partir daí a minha inclinação para a magistratura. Por um compromisso ético e profissional, o advogado precisa estar sempre ao lado do seu cliente, muitas vezes defendendo apenas interesses, por razões que não vêm ao caso tratar, o que me gerava desconforto, suscitando verdadeiros questionamentos, me vindo a compreensão que o meu lugar não estava nessa nobre profissão, mas em outra que me desse a condição de resolver conflitos, de decidir sobre o direito, sem voltas ou rodeios. Então fui para a magistratura”, conta.

Determinada, Maria do Rocio tinha a plena certeza de que gostaria de viver em Florianópolis, e por esse motivo, ao longo de sua carreira não escolheu destinos, aceitou de bom grado ir para qualquer cidade ou comarca em que houvesse vaga disponível a ser preenchida. Aprovada em concurso público para a magistratura em 1985, permaneceu juíza substituta por dois anos, ingressando em 1987 definitivamente na carreira, alçada à condição de juíza de direito, quando começou a sua peregrinação pelo interior – Itapiranga, Dionísio Cerqueira, Biguaçu e Chapecó – até retornar à Capital, em 1993. “Esses oitos anos passando por comarcas do interior constituíram um período de experiências de extrema importância para a minha atividade judicante. Tive a oportunidade de viver em cidades de pequeno e médio porte, conhecer pessoas e suas realidades, enxergar a grandeza e a diversidade do nosso Estado, suas riquezas e sua gente, a sua geografia, economia, costumes e culturas”, relembra.

Em 2005, quando tomou posse como desembargadora, teve a grata satisfação de ter sido recebida por seu marido, o desembargador hoje aposentado e advogado Cesar Abreu, que proferiu um emocionado discurso, recebendo-a e dando-lhe as boas-vindas na Corte de Justiça (Maria do Rocio foi a 3ª desembargadora a ocupar essa cátedra no TJSC), registrando o orgulho pelo momento, pela parceria de vida e profissão.

Equilíbrio entre formalidade e leveza

A fala de Maria do Rocio é tranquila, sem alterações no tom de voz, o que de certa forma comprova a afirmação que faz. “A firmeza e o reconhecimento vêm por meio da competência. Não é necessário exaltação, mas sim atender às demandas da profissão, o que exige equilíbrio e parcimônia”, sentencia.

Com certeza, um tanto por esse equilíbrio e outro tanto pelo profundo conhecimento do direito, é reconhecida entre os seus pares como uma desembargadora exemplar, consciente do seu papel profissional e institucional.


Joinvilense de nascimento e manezinha por opção e coração, Maria do Rocio é, também, uma mulher vaidosa em sua essência – “Faço questão, sim, de estar sempre bem vestida e arrumada. Muito mais do que pelo cuidado com a aparência em si, por gosto mesmo”, diz -, alegre por natureza e mestre em manter com charme e elegância o equilíbrio entre a sobriedade da profissão e a leveza da vida em família e entre amigos (qualidade, aliás, elogiada pela maioria das pessoas que conhecem e com ela convivem). Ama o espaço em que circula socialmente, a família – o que inclui a mãe, de 97 anos, que consigo reside, e o filho Antônio, empresário, que lhe deu a felicidade de conhecer a beleza da maternidade, hoje um jovem enamorado, com vida própria -, gosta da culinária, mas não se atreve ou se obriga a cozinhar.

No dia a dia os trajes mais formais estão alinhados ao ambiente de trabalho, onde a caneta para assinar decisões sempre foi fiel companheira. Nos finais de semana e nas férias, a casualidade toma conta do figurino, especialmente no apartamento na Praia Brava – “É meu recanto”, confessa -, mas rapidamente acrescenta que todos os cantos da Ilha são especiais para sua vida. “Adoro Santo Antônio de Lisboa!”, diz a magistrada, que ama soltar a voz entre amigos, e tem um repertório bem variado, que traz da sua juventude.

Se durante a semana o foco é o trabalho, a sexta-feira anuncia que está chegando o momento de maior descontração, quando se permite abrir espaço para o social, a conversa e a descontração na companhia dos amigos.

Isso, entretanto, não lhe afasta, mesmo nas horas de lazer, das preocupações e angústias que são próprias à atividade profissional.

Revela que em casa, com o marido, ainda se mostram muito presentes as conversas sobre o sistema de justiça, os caminhos a serem percorridos para que se tenha um Judiciário sempre mais presente e dotado de eficiência na distribuição da justiça. Confessa, aliás, com um sorriso franco: “Foi sempre assim e garanto que é muito bom. Temos muita afinidade na forma de pensar e assuntos e gostos comuns”.

Gosta de ler, mas reconhece que não tem mais tempo para mergulhar na leitura de best-sellers, que já tiveram muito espaço em seus momentos de lazer. Ama viajar – especialmente ao velho mundo, a países como a França, Portugal e Itália – mas lembra que este ano vai ter que abrir mão desse prazer. “As eleições vão deixar o volume de trabalho no TRE mais intenso”, explica.

Incentivo e preparo

Única mulher entre os três filhos do casal Ernani e Marylda, Maria do Rocio se confessa carinhosa e profundamente grata aos pais pelo incentivo para seguir seus objetivos e pela cobrança de que fosse em frente com coragem e dedicação. Há alguns anos, em entrevista publicada no jornal da Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC), deixou registrada uma frase emblemática: “Nunca fui criada para ser bibelô”. E francamente, embora seja delicada nos gestos e nos detalhes, decididamente essa figuração não se encaixa em seu perfil.

É sim, uma mulher forte em suas convicções, que assume a presidência do TRE-SC com uma proposta atual, apropriada ao momento, de ampliar a conscientização e participação da mulher na política. “E por ser um ano de eleições municipais, 2024 é muito importante para disseminar essa campanha, criar uma nova cultura, pois é principalmente nos municípios que se inicia a participação das pessoas na vida política”, explica.

Foto: Luciano Nunes

Quando recebeu a revista Mural para esta conversa, Maria do Rocio estava às voltas com a posse no Tribunal e com o lançamento do livro que tem o mesmo nome do projeto que leva consigo para a presidência do TRE – “Acorda mulher, teu lugar também é na política” -, lançado em 26 de março. “No dia 24 de fevereiro comemoramos 92 anos de direito ao voto feminino no Brasil. Já temos muitas conquistas, mas ainda há muito o que se fazer, e a mulher precisa entender que políticas públicas são fundamentais para garantir qualidade de vida, saúde, segurança, educação, e que existem aquelas que lhes são próprias, decorrendo desse fato a exigência de participarem da política, buscando representatividade nos parlamentos”, afirma.

A vertente conciliadora fala alto, e Maria do Rocio lembra que além das mulheres, também os homens precisam se engajar nessa caminhada. Diversamente do que ocorre em nosso Tribunal de Justiça do Estado, afirma, “em muitas instituições, públicas e privadas, a discriminação sobre a mulher é ainda acentuada, dificilmente encontrando elas espaços de liderança, de exercício de poder”. E arremata, “posso afiançar que nunca me senti preterida ou discriminada por meus pares ao longo de toda a minha carreira, tendo sido tratada sempre como igual… nem mais, nem menos”. Ao mesmo tempo em que reforça as lembranças acerca das conquistas femininas, inclusive na justiça – “No Tribunal temos entre 13 e 15% de mulheres desembargadoras, mas no primeiro grau esse percentual já chega a aproximadamente 37%. Ou seja: elas estão chegando!”, comemora -, a nova presidente do TRE fala sobre alternativas que podem levar ao aumento da participação feminina nos cargos políticos. “Temos as cotas de candidatas, mas talvez seja necessário começar a pensar em estabelecer um número específico de cadeiras para serem ocupadas pelas mulheres”, comenta.
Quem sabe?

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