As [co]res, [flo]res, [olha]res e [sabe]res de LINDOTE

“LINDOTE”. Simples assim e praticamente dispensando explicações, esse foi o nome escolhido para a primeira individual de  Fernando  Lindote  na  Helena Fretta Galeria de Arte , realizada entre março e abril de 2023.

texto LU ZUÊ
fotos MARCO CEZAR

Depois de quatro anos, para o artista foi um retorno ao circuito de exposições, realizado, a propósito, em grande estilo: simultaneamente Lindote estava em cartaz no Instituto Tomie Ohtake (SP) com a exposição “Quanto Pior, Pior” (com trabalhos de épocas diferentes), e no vernissage em Floripa foi lançado o livro  (leia no final ).

Enquanto na capital paulista as obras mostravam uma caminhada através de um (longo) tempo, a exposição realizada aqui reuniu pinturas produzidas na última década (principalmente a partir de 2016), como uma espécie de recorte de tempo/temas/experiências. A curadoria – responsabilidade do próprio Lindote – distribuiu de forma intuitiva no espaço da galeria obras inéditas e trabalhos de acervos de grandes colecionadores de Santa Catarina, com tamanhos e estilos de pintar bem diferentes explorando flores, animais e floresta. Nesse processo, Lindote fez questão de ouvir opiniões da esposa Denise (que é produtora cultural), da própria Helena Fretta e da equipe da galeria, pessoas que têm convivência estreita com a produção do artista e com o olhar do público local em relação às obras que assina. “Eu quis que fosse o olhar daqueles que acompanham o dia a dia do trabalho, seguindo o caminho das obras do ateliê para a galeria e da galeria para as coleções. Se fosse um curador, haveria um outro recorte e fugiria do que eu desejava. Tanto que o nome escolhido foi apenas LINDOTE… como uma assinatura mesmo”, explica.


A exposição alcançou grande sucesso e segundo Helena Fretta – , que tem exclusividade do artista em Santa Catarina – foi um momento especial. “Lindote é um dos mais importantes artistas contemporâneos em produção em nosso Estado, e isso mostrou o reconhecimento que a galeria sempre deu e continuará dando à arte contemporânea catarinense”, contou a galerista.

(Alguns) anos de (muito) trabalho…

Nascido em Sant’Ana do Livramento (RS) em 1960, desde cedo Fernando Lindote cultivou uma estreita ligação com a expressão artística: começou a desenhar ainda na infância (perto dos 10 ou 12 anos) e de forma natural foi explorando as possibilidades de mostrar sua vocação, mesmo sem imaginar que esse seria efetivamente seu caminho ao longo da vida.

Na verdade, desde o início das experiências com traços, tintas e telas já  passaram cerca de 50 anos, mas na conversa com o artista fica evidente que   “Perto dos 20 anos vim morar aqui em Florianópolis e ganhei alguns prêmios – o prêmio aquisição no 2º Prêmio Pirelli Pintura Jovem, do MASP e o prêmio 4º Jovem Arte Sul América, de Curitiba –, mas para mim funcionava assim: eu ganhava o prêmio com o trabalho, e então partia para uma nova proposta, e depois outra. Era como se fosse encerrando experiências”, relembra.

Com esse pensamento, a partir da metade dos anos 1980 e por cerca de 25 anos, Lindote dedicou-se às instalações, explorando diferentes meios de expressão artística e recursos – escultura, fotos, vídeos, performances, enfim…. Mesmo nesse período, a pintura continuava fazendo parte de sua vida, só que de forma privada. Para ele, aquelas obras eram na verdade experiências. “Eu sou de uma geração que gostava de pesquisar materiais. Então eu queria preparar a tela, esticar, fazer as tintas…, eu queria aprender tudo isso, pesquisava, experimentava, pintava, mas não expunha”, confessa. E – creiam – descartava! “Eu trabalhava, trabalhava, conseguia o resultado que eu queria, e osso era suficiente. Era pesquisa pura, desafio vencido, aprendizado adquirido”, justifica.

Por isso, a entrada efetiva de Fenando Lindote no circuito de exposições e conquista de prêmios (foram muitos) aconteceu principalmente com as instalações.

Foi em 2010, ao participar da 9ª Bienal de São Paulo, que as tintas e pincéis voltaram à cena. Na verdade, segundo ele explica, era novamente uma instalação, só que parte dela consistia em pintura feita diretamente nas paredes. “Ali foi a primeira indicação de que começaria a mostrar pintura”, conta.

Havia algumas esculturas, mas o centro da instalação eram as pinturas feitas diretamente nas paredes. “Foi como dizer: ‘Olha! Isso aqui é minha pintura’

Já em 2012 veio uma individual de pinturas no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), no Rio de Janeiro, quando o próprio Lindote foi responsável pela curadoria dos trabalhos, pelos textos, pela organização.

… e estudo, sempre!

Fernado Lindote pode até creditar a uma característica de sua geração a sede de pesquisar muito para conhecer os caminhos e processos e reconhecer resultados, mas a verdade é que está em sua essência mergulhar fundo para desenvolver seus trabalhos, procurando pessoas/artistas referência na técnica em questão.

Foi assim, por exemplo, lá nos anos 1980 quando resolveu ‘experienciar’ na técnica da têmpera ovo e foi beber diretamente na fonte, conversando com Volpi (Alfredo Volpi), um dos maiores expoentes do uso da técnica no Brasil. Se deu certo? Durante a produção do livro “Fernando Lindote: não [des]espere por um estilo”, o artista e o crítico Paulo Herkenhoff foram atrás de trabalhos daquela época e encontraram uma obra adquirida em 1984 por uma cliente que reside na Lagoa da Conceição, em Florianópolis. “A têmpera está perfeita, participando ainda do dia a dia da proprietária”, comenta, com uma ponta de satisfação.

Estudar, segundo ele, é sempre a melhor alternativa, mesmo que de diferentes formas. “Minha maneira de estudar agora é ir aos museus, e eu e a Denise fazemos viagens, sempre focados nos museus e seus acervos”, conta. Durante a pandemia, a prática teve que ser deixada de lado, mas em 2022 retornaram aos roteiros de estudo: começaram por Munique, passaram por Madrid e chegaram a Paris.  “É claro que as cidades são maravilhosas e a gente aproveita também, conhecendo lugares e absorvendo a cultura, mas o que nos leva a cada lugar são os acervos que nos esperam. Em Munique, a Antiga Pinacoteca, em Madrid, o Museu do Prado, e depois Paris. Em todos esses museus posso estudar os artistas da tradição”, avalia.

Em cada um deles, Lindote passa horas estudando as obras e fazendo anotações – ele tem caixas de cadernos com as observações listadas, uma a uma – sempre relacionadas às técnicas, recursos e resultados. Na maioria das vezes passa um dia inteiro circulando nos ambientes e dedicando atenção aos detalhes, saindo sempre muito cansado, tanto mental quanto fisicamente. “Mas ao mesmo tempo, muito feliz! Continuo anotando as lembranças de tudo o que vi por lá. Foi muito bom”, confidencia.

O processo criativo

“Acordo por volta das seis e pouco, quando o sol está nascendo, e observo a luz, a claridade”, confidencia Fernando Lindote.

O ateliê fica no mesmo terreno da casa, mas em uma construção separada, o que segundo Lindote é fundamental para o desenvolvimento de seu trabalho. “A Denise também trabalha  em casa, e isso é ótimo para o nosso dia a dia. Eu sou super regrado: começo de manhã e passo o dia lá. Quando termino, preciso ter a sensação de sair do trabalho”, explica. No seu espaço, desenha, lê, ouve música enquanto trabalha (algumas vezes clássica, noutras rock, jazz, bossa nova, samba…)  observa os trabalhos em desenvolvimento, pinta – claro! – e pensa muito. “Preciso disso. Alguns trabalhos eu faço rápido, mas normalmente é um processo demorado e – principalmente – solitário”.

Lindote confessa que estabelece uma relação de paixão e troca com as obras enquanto estão em criação, num processo que exige a proximidade para pintar e afastamento para observação. “Até que chega uma hora em que começo a olhar para o trabalho como se não fosse mais a ‘minha’ pintura. Nesse momento, então, a obra está pronta e chegou a hora de deixá-la ir”, conta.

Em suas obras, o artista usa basicamente tinta a óleo – que tem a secagem lenta – e normalmente trabalha com muitas camadas, o que torna necessário uma espera para alcançar o resultado desejado. Nesse intervalo de tempo passa para outra pintura, estuda, observa… Mas às vezes o afastamento se dá por necessidade pessoal. “Eu não desisto da pintura, mas em algumas situações tenho a necessidade de dar uma pausa e deixar um trabalho ‘descansando’. Pode ser porque preciso estudar uma coisa que eu ainda não estudei, entender uma busca ou mesmo viver algo diferente para conseguir descobrir o que quero e entender o que a pintura precisa. Minha pintura vem do que estou estudando, sentindo, vivendo, e às vezes falta alguma coisa para aquele trabalho. Eu sou muito autocrítico e preciso disso”, confessa. É um processo de trabalho com dedicação de seis, sete meses, mas que em alguns casos já chegou a durar dois anos. Ao expor sua forma de criar e se envolver com cada quadro, Lindote dá sinais de que enquanto acredita que pode contribuir com a obra o trabalho continua, mas a partir do momento em que começa a ‘julgá-la’, é hora de assinar.

O ano de 2023 começou de forma bastante intensa, quando Lindote e Denise foram para São Paulo para a montagem da exposição no Instituto Tomie Ohtake. Voltaram para preparar a exposição na Capital e retornaram para São Paulo para o lançamento do livro por lá. “Quando voltei para o atelier, aproveitei para finalizar alguns trabalhos que fazia questão de expor aqui.”, conclui.

Não [des]espere….

Fernado Lindote integrava a seleta lista de artistas sobre os quais Paulo Herkenhoff  tinha curiosidade de escrever e estudar a obra. E a curiosidade se materializou!

Criterioso ao extremo, o crítico deu início à produção do livro seguindo a ideia de uma obra ‘normal’, mas entrou na lógica das obras de Lindote e desenvolveu seus textos para cada tipo de trabalho que o artista trazia. “Ele resgata no livro que todo meu trabalho tem coesão, tem uma lógica e é tudo muito relacionado. Foi um mergulho no meu processo, com conversas com alto nível de exigência, revisitando períodos e fases da minha vida”, afirma Lindote sobre o processo de desenvolvimento do livro.

O resultado é um robusto, amplo e belíssimo livro de 472 páginas, fruto da variada obra que Lindote traz em diversas linguagens, como fotos, esculturas e instalações. Foram 12 anos de produção, envolvendo viagens, trocas de e-mails e pesquisa aprofundada. Poucos artistas da história da arte brasileira tiveram um trabalho como este feito por Herkenhoff, de um crítico para um artista vivo com esta intensidade e densidade.

Com prefácio assinado por Raúl Antelo, o livro é dividido em 27 capítulos com ensaios que abordam distintas séries, momentos ou conjuntos da carreira do artista Fernando Lindote.

Vale – e muito – ler e absorver!

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