GASOLINA, ÓLEO E SANGUE CORRENDO NAS VEIAS

textos LU ZUÊ
fotos MARCO CEZAR, LAURA SACCHETTI e ARQUIVO PESSOAL

“Sempre que faço um exame de sangue, o resultado já sei de antemão: 40% de gasolina, 40% de óleo e 20% de sangue”. A frase, repetida com frequência pelo geólogo, ex-funcionário público, motociclista por natureza e ‘harleyro’ por paixão, Dauzelei Benetton – o Benetton – é o resumo da relação que ele tem com o motociclismo.

“Comecei a ter motos com 12 anos, quando troquei uma bicicleta que ganhei de Natal por uma BSA 4,5 hp. Naquela época não se falava em moto, mas sim em ‘motor’, e quando precisava consertar tinha que ir atrás de um torneiro. E olha, depois disso não parei mais, tive várias motos… Harley, Indian, Honda… foram muitas”, conta.

Mas a paixão maior mesmo sempre foram – e são – as lendárias Harley-Davidson.

Entrar no apartamento de Benetton em Florianópolis é conhecer um universo à parte: difícil encontrar um centímetro de parede que não esteja escondido por uma foto, recortes de revistas – com matérias onde aparece ao lado de mecânicos, companheiros de viagem e personalidades do mundo do motociclismo –, cartas e até uma imagem de Jesus Cristo segurando o motor de uma Harley. Além disso, jaquetas (“paramos de contar quando chegamos a 120!”), botas e até mesmo uma bateria (claro, Benetton ama rock’roll). Na mesa de vidro está desenhada a Rota 66! E detalhe: muita coisa foi transferida para Pomerode, que há algum tempo é a sua morada principal.

Cada cm² do apartamento é espaço para a paixão

Aos 68 anos, Benetton guarda na memória – e gosta de contar – muitas histórias. Como a verdadeira “novela” da compra de sua primeira Harley zero km, que veio direto dos Estados Unidos depois de uma conversa com Willie Davidson (atualmente com 88 anos), neto de um dos fundadores da empresa e que durante anos foi chefe de styling da marca. Por telefone, ouviu do próprio Willie a frase: “A tua moto será embarcada em um voo comercial hoje, e amanhã estará em São Paulo”.

Creiam: Benetton literalmente “acampou” na loja da Harley em Curitiba, e estava decidido a só sair dali em cima de sua Road King Classic Azul com Prata, 1450 cc. E assim foi, no dia 25 de dezembro de 2000. Ele conta que estaria com ela até hoje, não fosse um acidente no retorno de uma viagem ao Chile ter provocado perda total.

Atualmente Benetton tem três motos da marca. Uma delas é uma réplica perfeita da usada pelo personagem Wyatt, interpretado por Peter Fonda – no lendário filme Easy Rider. Construída pelo customizador Celio Motorcycles, de Curitiba, a moto teve como base uma Fat Boy 1997 de Benetton. Aliás, uma das fotos penduradas na parede do apartamento é com o próprio Peter Fonda, quando o ator esteve no Brasil, em 2001, para participar do IV Moto Road, em Campo Grande (MS).

Motociclista na essência e na alma, no dia a dia Benetton usa o figurino característico: bandana, colete, bota, correntes e muitos anéis de prata – um anel de caveira, desenhado pelo próprio, foi dado como presente a Willie Davidson, quando se conheceram em Punta del Este no evento de comemoração do aniversário da marca. “Ele ficou tão vidrado nos meus anéis que não tive dúvidas: o que ele mais gostou – uma caveira de prata que veio da Tailândia – e entreguei para ele na hora. Depois ganhei outro igual”, relembra. Como forma de gratidão, Willie enviou uma carta para Benetton, a quem considera o maior harleyro do mundo. “A esposa dele, Nancy, disse que nunca o tinha visto tão feliz como quando estivemos juntos”, conta.

Harleyros unidos no morro da Barra da Lagoa

Quem olha esse cara todo paramentado, tatuado (a marca e as asas características da Harley-Davidson cobrem as costas de Benetton), com jeitão de mau, acaba se surpreendendo com a sensibilidade que aflora com frequência e pelos mais variados motivos. Até mesmo quando fala dos dois gatos – Matilde e Tisco – que vivem com ele e Inajara em Pomerode, ele se mostra como realmente é.

Quis o destino que no dia em que recebeu a Mural, Benetton estivesse comemorando os 23 anos de criação do grupo “MC Legends Never Die” (que atualmente conta com cerca de 50 motociclistas), e as mensagens chegavam a todo instante pelo celular. E teve mais emoção, porque no meio da entrevista recebeu a ligação do filho, Pietro, adiantando que havia sido aprovado no vestibular para Medicina. Paizão, Benetton mostrou os braços arrepiados após receber a notícia, e contou a história do nascimento de Pietro: “Ele foi o primeiro bebê do mundo a nascer e, ainda na sala de parto, vestir um macacão completo da Harley. Eu, que não posso ver sangue, cortei o cordão umbilical e coloquei o macacão na hora!”. Na comemoração do aniversário de 100 anos da Harley-Davidson, Pietro tinha 20 dias, e a “aventura” na sala de parto foi notícia em jornais brasileiros e internacionais.

É mesmo muita paixão.

Mas nem só de motos vive Dauzelei Benetton

Católico e praticante, o ex-funcionário público sempre foi ligado em ações sociais e vem realizando diversas iniciativas filantrópicas ao longo da vida.

Durante mais de 10 anos foi parceiros da Apae ajudando a arrecadar fundos e organizar eventos, mobilizou colegas de serviço para ajudar grupos e famílias, além de contribuir e trabalhar na realização de festas religiosas. “O motociclismo é um estilo de vida, que te permite fazer amigos e amizades verdadeiras. A gente aprende a se preocupar com os outros, a ter uma sensação de comunidade, a viver em grupo. E não há dinheiro que pague isso tudo, e ainda a oportunidade de sentir o vento no rosto e estar tão integrado à natureza que se tem a sensação de retornar ao útero materno. Quem experimenta isso, sabe que é assim!”, explica.

A vida em Pomerode

Há alguns anos, em uma festa no antigo bar John Bull, Benetton conheceu a fisioterapeuta Inajara Jasper. Gaúcha de Marcelino Ramos, Inajara vinha com certa frequência visitar Florianópolis, e o primeiro encontro aconteceu.

Mesmo com o retorno para o Rio Grande do Sul, mantiveram contato. Ela lembra que em 2016, quando decidiu dar uma reformulada na vida e buscar melhores oportunidades de trabalho, Florianópolis foi a cidade escolhida, e a relação ficou mais constante.

Uma outra coisa os unia: a paixão pelas motos. “Meu primeiro contato foi na época da graduação. No último ano, para facilitar o deslocamento, ganhei uma Yamaha Neo, que depois acabei usando como entrada para comprar um carro. Mas a vontade e a certeza de que voltaria a ter moto continuou”, conta Inajara.

Em 2019, após uma breve passagem pela cidade natal, a fisioterapeuta retornou para Santa Catarina e desta vez estabeleceu-se em Pomerode. “Uma cidade acolhedora, gostosa de viver e com todo esse potencial turístico. Abri meu estúdio de Pilates, com espaço para fisioterapia e dermato funcional – área na qual me especializei –, e cá estou.”

Segundo conta, a chegada da pandemia, em 2020, fez com que o plano de ter sua própria moto passasse a ser realidade. “E tinha que ser uma Harley-Davidson”, sentencia.

Por incrível que pareça, Benetton não achava uma boa ideia. “Ele dizia que era muito perigoso, que a moto era pesada, que eu não conseguiria segurar… ele foi meu inspirador, mas não meu incentivador. Mesmo assim, comprei minha primeira Harley – uma – Sportster 883 cc –, e aí coloquei em prática uma frase que trago comigo: ‘A vida só vai para frente depois que você sai da garupa’”, diz.

Logo surgiu a vontade de aumentar a potência, e novamente Benetton tentou frear a ideia, dizendo que era preciso ter calma. Mas paixão é paixão, e em pouco tempo a troca aconteceu.  “Agora estou com uma Deluxe 1600 cc, e uso bastante a moto.” Muito além da facilidade de deslocamento, Inajara aponta a sensação de liberdade e, ao mesmo tempo, a necessidade de autocontrole que pilotar a motocicleta proporciona, e a oportunidade do contato estreito com a natureza como experiências terapêuticas. “Quando você está com pensamentos confusos ou com problemas, nada como um bom passeio de moto para reorganizar as ideias”, concluiu.

Amizade instantânea fortalecida pelo motociclismo

Ao afirmar que o motociclismo é um estilo de vida que gera muitas e verdadeiras amizades, Benetton sabe bem do que está falando e coloca esse comportamento em prática no dia a dia. Quando adquiriu o apartamento em Pomerode, fez questão de conhecer o responsável pela obra, e assim teve o primeiro contato com Arlindo Arndt, proprietário da Construtora Arndt. “Fomos apresentados e imediatamente nasceu uma amizade muito legal. Parecia que a gente se conhecia há tempos e, claro, a ligação com o motociclismo aumentou a sintonia entre nós. Sabe como é aquela relação de irmãos, de pessoas que se conhecem desde a infância? Ele sempre tem boas histórias, e as conversas normalmente são longas e alegres”, conta Arndt.

Proprietário de uma Boulevard 1500 cc, de cor preta, o empresário conta que a atração pelas motocicletas surgiu na infância, e foi crescendo com o passar do tempo. Teve várias ao longo da vida, mas a aquisição desse primeiro modelo de estrada, em 2011, foi a realização de um sonho.

Antes, com modelos menores, não se aventurava sobre duas rodas pelas estradas, mas a segurança experimentada ao pilotar um modelo mais potente e robusto foi o estímulo que precisava para se lançar em viagens longas. E com uma parceira especial: Vilma, a esposa, também se encantou pelas viagens sentindo o vento no rosto e a liberdade que só as motos proporcionam. “É até difícil descrever, mas quando está em cima de uma moto é o momento em que o ser humano se sente livre para voar. Não tem asas, mas é como se tivesse… e é preciso pouco mais para ser completamente feliz”, conclui.


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