texto LU ZUÊ
fotos MARCO CEZAR e LIO SIMAS
Muitas, diferentes e expressivas…. A vida é feita de fases, e o bonito da natureza humana é conseguir perceber o que há de melhor em cada uma delas e adaptar-se às mudanças.
O atual momento vivenciado por Caio Borges reflete o equilíbrio entre a ansiedade de continuar produzindo – e experimentando – muito, e a serenidade que só a maturidade e o autoconhecimento conseguem proporcionar. Ele, que já foi conhecido pela representação das figuras humanas com muita cor, pinceladas geométricas e formas arredondadas e que impunha a si mesmo um cronograma diário intenso e rígido de trabalho, atualmente passeia tranquilo pelos painéis repletos de texturas e volumes, mostrando recortes de uma Mata Atlântica que tanto o encanta. A produção é diária, mas sem estresse.
Aos 64 anos, Caio – que se dedica à arte desde os 21 – não tem dúvidas: “A idade vai te pedindo outras coisas. Diminui a pressa, inclusive para alcançar os resultados. A visão que tenho hoje do mercado é completamente diferente, e o que me interessa é criar, sim, mas o processo como um todo me satisfaz, e não apenas o resultado”, sentencia.
Nascido em Içara, no Sul de Santa Catarina, Caio escolheu a arte desde sempre. Já com pouco mais de oito anos costumava dizer que seria artista, externando como ele mesmo define, uma sensação muito vibrante. Hiperativo, descarregava a energia desenhando e mexendo com canetas e lápis, numa prática constante que se desenvolveu ao longo dos anos.
Se no início da história, ainda jovem, dedicava-se à estamparia industrial de tecidos, um dos muitos planos econômicos que sacudiram o Brasil nas décadas de 1980 e 1990 estabeleceu a necessidade de realizar mudanças. “Passei um tempo aqui e aí fiquei pipocando, de lugar em lugar, morando em cidades e países diferentes e já produzindo arte. Mas aqui sempre foi e será o meu porto seguro”, conta.
“Aqui”, no caso, é uma ampla casa em um sítio em São Pedro de Alcântara, onde Caio resolveu viver. “Há 35 anos, mais ou menos, cheguei aqui e dei de cara com a mata fechada. Fiquei em cima da pedra, olhei para a cachoeira e pensei:‘Vou fazer a minha casa aqui!’. Me chamaram de louco, mas é um privilégio viver neste lugar”, explica.
Além da beleza da mata, da tranquilidade, das cores e sons que se integram ao dia a dia, as dimensões dos cômodos são importantes. Ao longo dos anos, reformas e mudanças na decoração foram adaptando o ambiente às necessidades do artista – sejam elas em relação à estrutura ou às emoções. “A minha necessidade de espaço é enorme porque os trabalhos são muito grandes, né? A área na lateral da casa, por exemplo, é ampla e aberta para permitir o trabalho com umas esculturas grandes que estou projetando, tipo móbiles. E quanto às pinturas, pode parecer exagero, mas é impressionante como quatro ou cinco painéis ocupam praticamente todo o espaço da galeria que tenho no andar de baixo”, confidencia. Até algum tempo atrás, Caio mantinha uma galeria no Centro Histórico de São José, mas em 2018 partiu para uma temporada nos Estados Unidos.
Profundamente apaixonado por viagens e pela oportunidade de observação e aprendizado que elas proporcionam, ele viveu durante cerca de um ano em Seattle (no estado norte-americano de Washington) – “Quase enlouqueci com tanto cinza e tanta chuva”, relembra – e depois partiu para Miami. Na época, Caio desenvolveu um trabalho inspirado nas figuras da cidade, retratando o exotismo das pessoas. “Tudo lá é muito exagerado, e trabalhamos em cima da figura humana. O trabalho estava progredindo, um ateliê montado e a galeria próxima de ser inaugurada”, conta. Mas… fim de novo ciclo e necessidade de iniciar outro. Em Miami, Caio Borges perdeu a companheira e decidiu retornar para casa. Foi um período de grande produção, mas com um estilo completamente diferente do que estava colocando em prática até então: muito preto e branco, poucas cores e traços intensos e expressivos. Caio, que sempre gostou de trabalhar com o desenho da figura humana, conta que em cada traço descarregava uma série de emoções, e isso faz parte da cura emocional. “Nada como o retorno à casa. É uma magia, sabe? Qualquer problema que eu tenha lá fora fica do outro lado da porta. Aqui, o envolvimento é total independentemente do tema. Vivi um período de luto, claro, mas me expressar por meio da arte me ajudou a passar pelo processo e reencontrar a serenidade”, explica.
Hoje, casado novamente, Caio pesquisa sobre a utilização de novos materiais para ampliar o leque das texturas em suas telas, além de materiais alternativos para utilizar nas esculturas, refletindo muito claramente a visão de que tudo o que está disponível na natureza pode ser reutilizado e transformado.
Apego x desapego
Ao longo dos anos já foram mais de 10 reformas na casa/estúdio/galeria/refúgio…
Branca na essência, totalmente integrada à Mata Atlântica, a casa de Caio Borges é tudo o que já foi dito. Já foi um verdadeiro refúgio de antiguidades, mas a vida trouxe alternativas diferentes para o artista. “Eu vi que guardar muita coisa não vale a pena. Não quero mais isso, entende? Então, acabei doando muita coisa para amigos – cada um que vinha, levava uma caminhonete cheia –, minhas filhas levaram muitas obras, e parece que fui me desapegando, me limpando… muita coisa foi embora, inclusive trabalhos de outros artistas. Eu preciso do espaço para trabalhar, e quanto menos acumular, melhor. Em relação às minhas obras, o que eu tive de apego foi em relação a um acervo de cerca de duzentos trabalhos, mais ou menos, que doei para minha cidade”, conta Caio. Segundo ele, tudo agora está no lugar certo – na Galeria de Arte Caio Borges, localizada no térreo do Paço Municipal Ângelo Lodetti, em Içara –, onde cada obra tem um papel importante na formação/informação das pessoas. “Essas coisas ensinam, não é verdade? E o objetivo maior da arte, na essência, é mostrar, ensinar, explicar, permitir ver e entender”, completa Borges, que se encanta com a reação e interesse das crianças pelo seu trabalho.
Mercado ampliado
Durante cerca de 20 anos, Caio Borges se viu produzindo telas com casais de formas arredondadas atendendo, especialmente, uma demanda do mercado. “Hoje escolho a liberdade de trabalhar com temas diferentes. Desenvolvi uma série de painéis inspirados na Mata Atlântica, e de forma natural percebi que o espaço em que estamos é o que proporciona esse material produtivo. A gente aprende, observa, absorve e demonstra o que isso tudo está provocando em você… é um registro”, explica.
Entraram em seu repertório de materiais até mesmo plástico derretido, que conduzido pelas mãos do artista cria um efeito de verticalidade – leia-se, profundidade – em alguns trabalhos. O brilho discreto confere a outros a ideia de orvalho nas folhas de bromélias figurativamente representadas.
E para que não restem dúvidas em relação à reação do mercado, fica a informação: inicialmente as vendas podem até ter diminuído – afinal a figura humana esteve associada ao nome de Caio Borges por um longo período –, mas a internet ampliou e democratizou o acesso aos trabalhos e à comunicação com o público. O artista conta com o trabalho de uma pessoa em Orlando e, por aqui, mantém ativas suas redes sociais. Resultado: suas telas e esculturas continuam seguindo para inúmeros lugares do mundo. “Não tenho do que reclamar porque sempre vivi da arte. E hoje, existe uma grande facilidade para mostrar o que se faz e comercializar os trabalhos”, comemora.
O que vem por aí?
Muita produção e experimentação. Nas esculturas, estruturas mais leves – que não limitem os movimentos e facilitem a execução do trabalho – viabilizando a produção solitária e independente que tanto atrai Caio.
A intenção é trabalhar com materiais recicláveis, numa proposta sintonizada com o momento atual da sociedade. Mas com o esmero característico que sempre empregou no acabamento de suas obras. “Sou muito exigente com isso, e sinto que esse comportamento foi evoluindo ao longo do tempo. O amadurecimento é tudo na vida, e te permite viajar por novos processos e formas de apresentação”, conclui.