texto LU ZUÊ
fotos: MARCO CEZAR e MILTON OSTETTO
Observar o trabalho do fotógrafo “amador” (classificação do próprio!) Milton Ostetto nos permite conhecer muito do autor. E um detalhe importante: melhor mesmo é substituir os verbos “observar” e “conhecer” por admirar. Não há como ser de outra forma!
Assim como não poderia ser outro o caminho seguido por esse filho de italianos, nascido em 1954 na pequena Nova Veneza (região Sul de Santa Catarina), que na infância e adolescência passou os dias primeiro frequentando e depois trabalhando no cinema que o pai o mantinha na cidade: o Cine Veneza! De porteiro e faz-tudo, Milton acabou “evoluindo” para projecionista, e provavelmente vem daquela época o interesse que desenvolveu ao longo da vida pela força e significado das imagens.
No início dos anos 70, seguindo o caminho natural de qualquer moço ajuizado da época, Ostetto seguiu em direção à Capital para prestar vestibular. Não passou para Engenharia Civil, mas em 1974 repetiu a experiência e foi aprovado para Engenharia Elétrica na UFSC.
Na “cidade grande”, começou a conviver com os fotógrafos Dario de Almeida Prado, Rivaldo de Souza, Carlos Silva, Tarcisio Mattos, Eduardo Marques, e com o Celso Martins – jornalista que tinha “uma Canon maravilhosa, que me emprestava para fotografar por aí!”, conta Milton, citando vários profissionais que participaram desse início prático na fotografia. “Eu gostava muito de fotografar, mas não tinha grana, então um emprestava a câmera, outro me dava pontas de filmes, outro ajudava na ampliação”, lembra.
Até o Marco Cezar entrou na história. Os truques de iluminação utilizados pelo editor da Mural despertavam a curiosidade do então iniciante e autodidata, que quebrava a cabeça tentando descobrir o segredo das luzes que destacavam os contrastes de cabelos loiros ou morenos. “Aí o Carlinhos (Silva) me explicou como o Marco fazia, eu comprei uma luminária e comecei a testar as possibilidades em casa, com a ajuda da minha companheira Regina. E aprendi”, disse.
A verdade é que o Milton fotógrafo nasceu e se aperfeiçoou de forma natural, embalado pelo gosto de registrar momentos e pela vontade de aprender a fazer melhor. Não se negou a trabalhar como iluminador para Rivaldo Souza (que já partiu), comprou sua primeira máquina (uma Minolta, mas queria mais!), vivenciou na prática a transição do negativo para o cromo, do analógico para o digital, teve alguns clientes, muitos parceiros… sempre fotografando e driblando quaisquer rasteiras que a vida apresentasse.
O Milton engenheiro eletricista trabalhava das 8 às 18 horas. Então saia de casa às 6 horas para ir fotografar… ia para a Barra, para a Lagoa, andava por aí. Depois do trabalho, fazia a mesma coisa. Todos os cromos eram entregues para a Tempo Editorial – dos amigos e também fotógrafos Tarcísio Mattos (que certa vez recortou uma foto de Ostetto para “explicar” o correto enquadramento), e Eduardo Marques, que tinha como colaborador Sérgio Vignes – onde o material era catalogado, organizado, arquivado e às vezes comercializado. A condição era uma só: “Nunca segui pautas! Eu fotografava o que queria, o que via. A foto era – e ainda é – um hobby”, justifica Ostetto.
Mas um hobby que traduz a vida, as crenças e o jeito de ser do fotógrafo ‘amador’. “Cada foto minha é uma denúncia, uma história. É assim que eu vejo: a fotografia é aquilo que você é. E eu sempre enxergo o que eu sou”, conclui.
Aprender sempre
Desde que morou por um período no Rio de Janeiro, Milton Ostetto acostumou-se a comprar livros. Conta que isso aconteceu porque lá ia a muitas exposições de fotógrafos e olhava admirado os trabalhos. Convenceuse, então, de que não sabia nada, e resolveu correr atrás.
Por natureza própria gosta de aprender, e desde sempre gostou de estudar os trabalhos dos grandes pintores – que carregam consigo regras de composição e luz – analisar filmes e observar livros de fotógrafos. “Estudo fotografia todos os dias”, explica, e no momento dois livros estão na linha de frente: Índia, de Cartier Bresson, e um de Alex Webb, um fotógrafo de rua que ganha um elogio impublicável! “Tenho uma estante cheia de livros sobre arte e fotografia, pego sempre um ou dois e fico Folheando… analisando elementos, luz, enquadramento. Isso me fascina!”, explica.
Livros são importantes? Com certeza! Tanto que até o momento, Milton imprime o sobrenome Ostetto em um livro sobre a colonização açoriana (Tás Co Olho – produzido em parceria com Orlando Azevedo e Tadeu Vilani), nos catálogos do Festival Instantes (de Portugal) e no livro Pesca da Tainha e a Pandemia.
Um varal na rua, ao alcance de muitos – e variados – olhares
Se a fotografia representa aquilo que você é, a forma de apresentá–la ao público deve ser um exemplo daquilo que você acredita. Milton Ostetto é um fotógrafo que ama as ruas, as pessoas, a forma como vivem e as manifestações que ali acontecem. E é daqueles artistas que acreditam que a arte deve estar onde as pessoas estão. Dito isso, vamos voltar ao ano de 2015, quando há muito tempo um grupo de amigos (fotógrafos, em sua maioria) se reunia nas manhãs de sábado nas mesinhas em frente ao Bob’s da Trajano para conversar, trocar ideias, falar sobre a cidade, as pessoas e sobre fotos (principalmente!). E numa conversa entre Ostetto e Alexandre Freitas – ambos entusiastas das ruas, mas com olhares diferenciados – surgia a ideia de fazer uma exposição sobre a rua na rua. “Só que a gente viajou, e sonhamos com uma exposição na Felipe Schmidt inteira, com fotos e mais fotos. O custo beirou os R$ 60 mil, o que era inviável”, confessa. A solução? Esticar um arame entre dois postes lá mesmo, em frente ao local de encontro, e expor quantas fotos fosse possível.
Licenças foram viabilizadas junto à administração municipal, e no dia 24 de abril de 2015 aconteceu a primeira exposição do que se tornaria uma tradição mensal no calçadão da Trajano. Detalhe: as fotos (em formato 30 x 45 cm) são presas no arame por grampos de roupa, e o peso é sustentando por uma vara, que segura o “varal”. Tudo muito simples, como deve ser a vida e o acesso à arte.
Seria uma só vez, mas aí… Paulo Goethe (jornalista falecido em 2020, apaixonado pelo mar, por fotos e por fotos do mar) e Kleber Steinbach, ligado em astrofotografia, foram apresentados por Ostetto e dividiram o varal na segunda edição do evento, nominada “Do mar ao céu”.
Depois disso, a procura pelo espaço foi constante, e até o período que antecedeu a pandemia, cerca de 50 exposições foram realizadas. E com a diminuição das restrições impostas pela Covid-19, em março deste ano – com uma coletiva que reuniu boa parte dos fotógrafos que já haviam participado da experiência – as exposições retornaram à rua.
É um projeto simples, com custos reduzidos e muito envolvimento pessoal, que pela sua acessibilidade e significado acabou criando raízes também em Portugal (leia página 38). Entusiasta da proposta do início ao além, Milton Ostetto declara: “Essa é a ideia do varal: permitir que qualquer pessoa exponha seu trabalho, em qualquer lugar”.
Reconhecimento mais do que merecido
Em 2013, Ostetto foi convidado pelo fotógrafo Pereira Lopes a participar da edição 2016 da exposição Instantes, em Portugal. Além da exposição individual Gente que ama o mar, Ostetto e o fotógrafo Alexandre Freitas realizaram uma exposição no formato varal (olha a semente plantada na rua Trajano, em Floripa, germinando em terras lusitanas).
É importante registrar que o sucesso do modelo “varal” foi tanto que os fotógrafos locais chegaram a entrar em contato com o fotógrafo catarinense solicitando informações sobre como viabilizar e realizar a exposição naquele formato. Resultado? A proposta criou raízes, com varais pendurados nas ruas de Lisboa e em comunidades mais afastadas, mesmo entre árvores.
Tanto pelos resultados quanto pelo sucesso alcançado, desde que participou do Festival Instantes pela primeira vez, em 2016 (depois dessa, participou também em 2017 e 2020), Milton Ostetto conquistou um reconhecimento especial. “Virei meio que um embaixador do Festival, com liberdade para indicar participantes, como o Caio Cezar (que faz parte da história da Mural), e para o próximo ano estão agendadas as participações de José Ronconi (de Nova Veneza), Sérgio Ranalli (de Londrina – PR) e Lucila Horn (de Florianópolis).
Uma experiência única… em todos os sentidos
Morador do Campeche há aproximadamente 35 anos, Milton Ostetto foi, gradativa e lentamente – como recomendam as regras da boa convivência –, construindo uma relação de respeito e confiança com os pescadores da região. “Era uma época em que não havia quase nada. Conheci o ‘seu’ Chico, que tinha o rancho de pescadores na beira da praia. Naquela época a relação com os pescadores era muito difícil, porque quem chegava lá estava invadindo um espaço já estabelecido”, relembra.
Convidado pelo próprio Chico foi conhecer o rancho e – devidamente autorizado – começou a registrar os momentos que marcavam a convivência e trabalho dos cerca de 30 homens que dividiam o espaço. Mas não era só registrar! “Eu construí uma amizade antes de qualquer coisa. Ajudava a tirar o peixe, aprendi muito sobre fotografia naquele ambiente, compartilhei trabalhos e conhecimentos”, explica Milton Ostetto.
Durante o período da pandemia, o fotógrafo acompanhou todo o processo de convivência e trabalho adaptado que os pescadores tiveram que impor ao seu ofício. O resultado está materializado em uma publicação (de um único exemplar) – Pesca da Tainha e a Pandemia – com um registro belo, detalhado e minucioso do dia a dia do Rancho Fada (Família Daniel) que se redescobre dia após dia, influenciada pela natureza e pelas surpresas que a vida apresenta. Que bom que esse registro existe!
“CADA FOTO MINHA É UMA DENÚNCIA, UMA HISTÓRIA. É ASSIM QUE EU VEJO: A FOTOGRAFIA É AQUILO QUE VOCÊ É. E EU SEMPRE ENXERGO O QUE EU SOU.”