Uma das grandes sacadas de Guga Arruda é a integração do surfe com o skate. Ele agrega a expertise de duas décadas de competidor de alta performance, ao profundo conhecimento do esporte das rodinhas. Inova ao levar técnicas e fundamentos de uma modalidade a outra, nas aulas e treinamentos e no aprimoramento dos atletas. Bem como no desenvolvimento de produtos da Power Light.
Professor de surfe, dá aulas desde a base – com iniciantes – até o treinamento avançado. Também é técnico de equipe, designer e fabricante de pranchas. A seguir algumas de suas ideias em relação ao casamento dos dois esportes, e saiba como o skate começou a fazer parte da vida do soul surfer.
DA PISTA PARA O MAR
“No surfe avançado aprendi a combinar surfe e skate. E fazer desta mistura um benefício para ambos os esportes. No meu caso o foco é o surfe, e dos meus alunos também. Mas a gente usa a pista de skate. Trabalha postura de corpo, de braço, posicionamento de perna, para onde movimentamos a cabeça e direcionamos nossos olhos. Tudo é levado para dentro da água na hora do surfe. No mar é muito difícil a proximidade com o aluno, a comunicação, a facilidade de ele te ouvir. Láno fundo, no meio das ondas, fica muito difícil. No skate é fácil. A gente está ao lado, encosta. Pega o braço e muda a posição, literalmente. É possível ter contato físico para alterar a postura, mostrar um movimento repetidas vezes.”
DISPONIBILIDADE EM TERRA
“É mais fácil fazer o entendimento acontecer no skate e depois treinar na água para conseguir transferir para o surfe. Utilizo a modalidade do skate para trazer a consciência da postura e do direcionamento do olhar, fundamentais tanto na técnica de surfar quanto na de andar de skate. São bastante semelhantes. Os alunos também treinam por conta própria. Nas suas casas, calçadas, garagens, porque o skate está sempre disponível. O surfe não. Tem que ir na praia, tem que ter carona, passar a arrebentação. O surfe é menos disponível do que o skate.”
REPRODUZINDO NA ÁGUA
“O skate nasceu do surfe. Significa que o surfe ofereceu muito quando o skate estava nascendo. E, em nível técnico, em se falando em radicalidade, variação de manobras, o skate passou o surfe. Por razões óbvias. A pista é fixa, e o skatista consegue executar muitas vezes o mesmo movimento. O skatista também não precisa remar para entrar na onda. Por isso o skate pode ser muito pequeno, facilita a radicalidade das manobras. O surfista não pode usar uma prancha tão pequena, porque precisa da flutuação para remar e entrar na onda. Por essas razões, o skate disparou na frente do surfe e se tornou um esporte muito mais radical. Muito mais acrobático, com muito mais giro, com muito mais variação de manobras. Depois disso, o surfista começou a copiar o skatista e conseguiu reproduzir algumas manobras do skate na água.”
MIGRANDO PARA AS ONDAS
“Algumas variações de manobras, inclusive alguns nomes, migraram do skate para o surfe. As manobras que vieram do skate para o surfe são mais modernas, mais difíceis, mais acrobáticas, e mais elaboradas. O ollie up, o 540, que os surfistas chamam de full-rotation – que é a rotação completa voltando de frente. As variações e contorcidas durante um aéreo. Quando contorce com a rabeta para cima chama tailbone, quando contorce com o bico para cima chama nosebone, quando “cata”com a mão por trás chama tailfish. Cada “catada” (pegada de mão na prancha) tem um nome. Mas todas essas variações nasceram primeiro no skate, e depois migraram para o surfe. Foi a hora em que o skate devolveu para o surfe muito do que o surfe deu para o skate.”
INFLUÊNCIA DA FAMÍLIA BARROS
“O skate entrou na minha vida quando vim morar no Rio Tavares. Sempre tive um grande amigo, que foi patrocinador em um momento superdecisivo da minha carreira: André Barros, pai do Pedro, que, quando vim morar no Rio Tavares, era moleque e já andava de skate muito bem. O André e o Pedro foram uma grande influência na minha vida, na vida dos meus filhos, e, acredito, na vida de muita gente no mundo.”
ANDANDO COM O CAMPEÃO MUNDIAL
“Começamos a andar de skate nas pistas do Pedro, na pista da Hi-Adventure. O André e o Pedro sempre dando um presente, uma rodinha, um shape, tanto para mim, quanto para os meus filhos, o Tuco, a Marina. Foi um grande estímulo, um grande incentivo. E não deixa de ser uma enorme emoção e privilégio poder andar de skate, brincando com teu vizinho, e ele ser um pentacampeão mundial e o maior skatista de bowl da história. Essa foi a grande alavanca que nos impulsionou em direção ao skate, e eu sou muito grato à família Barros por isso.”
REVOLUÇÃO NO RIO TAVARES
“Há alguns anos o skate no Brasil era mais São Paulo, Curitiba, grandes cidades. Os skatistas não eram surfistas e os surfistas não eram skatistas. Essas duas tribos não andavam juntos. Havia diferenças significativas. E foi aqui no Rio Tavares, em Florianópolis, que, por meio dessa galera e do movimento RTMF (Rio Tavares Mother Fucker), que o surfe e o skate se casaram no Brasil. Na Califórnia já eram casados, mas no Brasil não. E hoje estes esportes estão muito unidos, muito integrados. É bonito ver essas tribos muito unidas e os surfistas andando de skate cada vez melhor e os skatistas surfando cada vez melhor.”
MANOBRAS COMPARTILHADAS
“Meu trabalho na Power Light está de vento em popa, agora influenciado pelo skate. Não acho que seja só eu que tive essa sacada. Mas compreendi que os esportes estão cada vez mais próximos, o surfe e o skate – não deixo de fora o snowboard, kite, wakesurf e outros esportes de prancha. As manobras estão se tornando parecidas e compartilhadas. Há muito em comum entre os dois esportes.”
RELAÇÃO TAMANHO X PESO X OUTLINES
“Percebi que, se as pranchas diminuíssem de tamanho, teriam mais possibilidades de proporcionar manobras radicais como o skate faz. E não somente diminuir de tamanho, mas diminuir de peso. Alguma alterações específicas de design, como, por exemplo, outlines (linhas externas que definem a prancha) mais paralelos, e fundos com menos curva, trariam adicional de velocidade e permitiriam manobras aéreas com maior facilidade. Venho misturando o que aprendo nos shapes de skate. Estou introduzindo no desenvolvimento de design na fabricação de pranchas. Estou curtindo muito esse momento.”
PRANCHAS SK8 E SK9
“Tenho duas pranchas que tem nomes relacionados ao skate. A primeira desenvolvi pensando em fazê-la para o Pedro Barros surfar, e chamei de Sk8 – sigla para skate. Ela ficou boa para caramba, foi superlegal. Deu certo, fiquei muito animado. Continuei desenhando e dela nasceu uma outra (a prancha fotografada), que chamei de Sk9.”
Skate nasceu do surfe
O skate nasceu na Califórnia, por volta do ano de 1950. Os surfistas queriam se divertir quando o mar estava sem ondas, de onde surgiu a ideia de pegar pranchas de madeira e colocar rodinhas de patins embaixo. No início, o esporte era chamado de surfe de calçada e, em muito pouco tempo, se espalhou pelos Estados Unidos. O primeiro skate fabricado e comercializado em série foi o Roller Derby, em 1959. Até então o skate era apenas visto como uma coisa divertida para se fazer depois de surfar.
No ano de 1963, além da oficialização do esporte como Skateboarding, aconteceu a primeira competição da modalidade em Hermosa Beach, na Califórnia. Depois desse campeonato foram vendidos mais de 50 milhões de carrinhos em todo o mundo. As modalidades eram basicamente o Downhill, o Slalom e o Freestyle.
No começo dos anos 1970 uma grande seca atingiu a Califórnia, quando surgiu o skate Vertical. Piscinas foram esvaziadas e os skatistas descobriram que as paredes lembravam as transições das ondas. Foi também nessa década que o skate começou a evoluir. Larry Stevenson inventou o tail, o que ajudou a melhorar o equilíbrio e as manobras. Em 1972, o surfista Frank Nashworthy criou as rodinhas de uretano, tornando o skate muito mais veloz. Antes, as rodas eram feitas de ferro ou de plástico duro, escorregadias e inseguras.