Instituto Collaço Paulo: mostra”Etérea”

reúne sete artistas de Santa Catarina

Exposição discute o sagrado, os mitos e o humano, e reúne sete artistas de Santa Catarina

texto NÉRI PEDROSO  
fotos MARCO CEZAR/EDUARDO MARQUES
obras na abertura “NOSSA SENHORA” (Martinho de Haro – 1970-1980) | “SANTA CATARINA, PRINCESA DE ALEXANDRIA” (c. 1969)

Até o próximo 29 de junho, de longa duração, a exposição “Etérea”, no Instituto Collaço Paulo – Centro de Arte e Educação, em Florianópolis (SC), convida a pensar sobre o sagrado por meio da apreciação de cerca de cem obras, entre trabalhos artísticos e artefatos que se aproximam por esse tema que transita entre crença, devoção, altruísmo, os mitos e o humano. A visitação, de segunda a sábado – entre 13h30 e 18h30 – é gratuita. As peças de artistas conhecidos e desconhecidos, representativos de diferentes escolas e países, abrangem religiões de matrizes distintas, com obras que se situam entre os séculos 14 e 21. Fernando Lindote, Juarez Machado, Martinho de Haro (1907-1985), Rodrigo Cunha, Rodrigo de Haro (1939-2021), Walmor Corrêa e Xavier das Conchas (1739-1814) asseguram a representatividade de Santa Catarina num recorte amplo e eclético, fruto de um mergulho na Coleção Collaço Paulo feito pela curadora Francine Goudel. Além de pinturas, a mostra traz outras materialidades como o bronze, a cerâmica e a madeira. Com raridades, a análise dos trabalhos pede atenção e pensamento capazes de estabelecer correspondências entre épocas passadas e as atuais mudanças contemporâneas nos âmbitos do tempo, da vida e da arte.

“Com representações santificadas, objetos e peças que transitam entre o popular e o erudito, de diferentes escolas e matrizes temporais, a exposição agrupa e investiga os mistérios das concepções e narrativas atreladas à fé, ao sagrado, profano e devocional”,

diz a curadora.

Exposto o enfoque, propõe-se uma avaliação nas representações de Santa Catarina, nos temas e suportes nos entresséculos 18, 19 20 e 21 que envolvem os sete artistas já mencionados, com a ressalva de que Xavier das Conchas – alcunha de Francisco dos Santos Xavier – viveu 33 anos na antiga Desterro, atual Florianópolis.

O que aproxima os sete artistas? No primeiro momento, a imagem de São Sebastião (c. 256-288), soldado romano, martirizado por sustentar a fé em Cristo, que dá nome a cidades, e é padroeiro de outras. Apresentado como um jovem amarrado a uma estaca e perfurado por flechas, é o santo masculino mais retratado na história da arte, um ícone de diferentes expressões artísticas, destacado por pintores da Renascença, tema de inúmeros livros e filmes. Para a crítica de arte Susan Sontag (1933-2004), seu rosto não registra a dor física, e a beleza está dissociada do sofrimento, postura que explica, de certo modo, as evocações da comunidade LGBTQIA+.

Único joinvilense em “Etérea”, Juarez Machado traz “Festa de Navegantes” (1997), pintura que impressiona os visitantes pela inusitada composição e paleta entre os tons azuis e amarronzados.

No Instituto Collaço Paulo, São Sebastião aparece em seis obras, cinco telas e uma escultura em madeira policromada. Um dos óleos, representativo da escola italiana, data do século 17, assim como a escultura que vem da escola espanhola. As demais são de artistas contemporâneos, três de Santa Catarina – Lindote, Cunha e Corrêa, e uma do Paraná, Lara Baruzzo.

Nomes de evidência no mercado

Feitos quase todos sob a encomenda do casal de colecionadores, os óleos sobre tela com diferentes representações de São Sebastião abrem a mostra “Etérea” e aproximam Walmor Corrêa, Rodrigo Cunha e Fernando Lindote, cujas obras, lado a lado, convidam o visitante à saudáveis comparações entre conceitos, estilos, técnicas e resultados pictóricos. Cada um com suas singularidades expressivas e paletas marcantes, os três são os nomes em evidência no atual cenário da arte brasileira. Eles apresentam telas de impacto, vistosas, com alta carga dramática.

Recentes, com frescor, o “São Sebastião” de Corrêa é de 1988, o de Cunha de 2020, assim como “O Surgimento das Flores Antropofágicas na Nascente de Tapuiubaí”, de Lindote, que não à toa aparece ao lado da escultura “São Sebastião” do século 17, da escola espanhola e em madeira policromada. No imaginário tropicalista do artista gaúcho baseado há 40 anos em Florianópolis sobressai o santo antropofagicamente mergulhado em profusão de cores, mistérios e ambivalências sugeridas nessa pintura do inconsciente.

Do mesmo modo, vale olhar com atenção Walmor Corrêa e Rodrigo Cunha. O primeiro é dono de uma carreira internacionalizada como autor de desenhos, pinturas, objetos, taxidermias e instalações, uma complexa criação transdisciplinar que aproxima história natural, arqueologia, biologia, botânica e paleontologia. Natural de Florianópolis, Corrêa vive em São Paulo, de onde conduz uma carreira invejável. Já Cunha nasce, vive e atua em Florianópolis, sem quase dar conta de atender os pedidos de venda de suas inquietantes telas marcadas por uma coerência e força psicológica que remetem ao isolamento, à solidão. Estética taciturna com recursos compositivos e nuances sombrias, é um pintor por excelência com representações centradas na figura humana sob uma perspectiva realista. Suas cenas intimistas levam pesquisadores a defini-lo como um pintor metafísico. Essas referências do repertório dos dois artistas aparecem com clareza nos seus “São Sebastião”.

O modernista Martinho de Haro pode ser apreciado no óleo sobre eucatex “Nossa Senhora” (1970/80). Já o filho, Rodrigo de Haro, comparece com “Santa Catarina, Princesa de Alexandria” (c. 1969), um tema caro ao artista erudito que vivia na Lagoa da Conceição, na Ilha de Santa Catarina.

Xavier das Conchas, um raro oratório

Por fim, outro momento especial que pede contemplação recai no oratório “São João Batista e o Cordeiro” (fim séc. 18, começo do séc. 20), de Xavier das Conchas. Considerado o pioneiro da arte tridimensional no Estado, ele nasce no Rio de Janeiro, mas vive 33 anos na antiga Desterro. Feita de conchas, madeira, arame, papel e policromia, a obra em Santa Catarina dá acesso por meio de uma coleção privada, à disposição gratuita do público, a um raro Xavier das Conchas.

Entre tempos imemoriais, o antigo e a atualidade, entre os séculos 14 e 21, a mostra em “suas heterogêneas abordagens”, como diz a curadora, propõe conexões entre aspectos materiais e espirituais de gerações distintas, ajudando, quem sabe, a conhecer e apreender o mundo e a existência sob uma nova ótica.

SERVIÇO

O quê: exposição “Etérea”

Quando: até 29.06.2024; segunda a sábado, 13h30 às 18h30.
Onde: Instituto Collaço Paulo – Centro de Arte e Educação, rua Des. Pedro Silva, 2.568, bairro Coqueiros, Florianópolis (SC)
Quanto: gratuito

SAIBA MAIS
www.institutocollacopaulo.com.br
@institutocollacopaulo
educativo@institutocollacopaulo.com.br

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