Em minha última viagem a Macau e Hong Kong, voltei impressionado com o desenvolvimento dessas cidades em oito anos, período transcorrido entre minhas visitas à região
texto NARBAL CORRÊA
fotos MARCO CEZAR | NARBAL CORRÊA | ARQUIVO PESSOAL
Minha primeira viagem à Ásia Oriental foi para Macau, em novembro de 2016, a convite da FloripAmanhã para participar de um fórum internacional de gastronomia denominado Power of Gastronomy (que pode ser traduzido como Poder, Força ou Influência da Gastronomia).
Na ocasião, Macau estava apresentando sua estrutura com o objetivo de ingressar na Rede de Cidades Criativas Unesco (o que aconteceu no ano seguinte). Fui um dos integrantes da delegação de Florianópolis, acompanhado por Andrea Alberti (representando a Abrasel – Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de Santa Catarina) e Claudio Costa Moreira, representante do SHRBS (Sindicato de Hotéis Restaurantes Bares e Similares de Florianópolis).
Saímos de Florianópolis no dia 21 de novembro e chegamos a Hong Kong no dia 23, para em seguida embarcarmos em um ferry boat para Macau. Porém, no aeroporto fomos abordados por dois policiais à paisana, que solicitaram nossos passaportes. Dispensaram meus companheiros de viagem – a quem instruí que seguissem o roteiro original para que eu os alcançasse posteriormente – e me encaminharam para uma sala com uns 10 policiais fardados. Acredito que me escolheram por conta dos meus carimbos no passaporte (tinha carimbos da Bolívia, Venezuela, ilhas do Caribe, Panamá e Colômbia). Me revistaram e fizeram uma vistoria minuciosa em minha bagagem.

A barreira era a língua. Não falavam inglês e tive dificuldade em me comunicar. Mostrava papéis e dizia ser convidado do governo de Macau. Nada adiantava. Só depois de três horas, quando começou a escurecer, fui liberado.
Chegando em Macau fui “resgatado” no terminal de passageiros e levado para o hotel. Posso dizer que a organização caprichou nos mínimos detalhes, a começar pela escolha do hotel. Fomos hospedados no Mandarim Oriental, um luxuoso hotel 5 estrelas. Jamais esquecerei meus cafés da manhã com massa tradicional chinesa e ovos centenários. Neste segundo dia conheci o Albertino Campo, que hoje é um grande Amigo – sempre escrevo a palavra Amigo com letra maiúscula.
Vou falar mais dele adiante.

Macau tem como principal atrativo turístico os cassinos, e fatura mais com essa atividade do que qualquer outra cidade do mundo. Las Vegas, por exemplo, ocupa a segunda posição.



No programa, palestras, reuniões, visitas ao centro histórico, Casas-Museu da Ilha de Taipa e o melhor espetáculo que já assisti – O The House of Dancing Water -, uma produção teatral no resort City of Dreams, em Cotai, Macau . O show tinha duração de 90 minutos, com elementos acrobáticos, um palco que se transformava em diferentes cenários e mais de 90 ginastas, artistas de circo, dançarinos, mergulhadores, atores e motociclistas.
O show estreou em setembro de 2010 e foi interrompido por conta da pandemia no início de 2020. Tem previsão de reestrear ainda em 2024. Detalhe: essa produção já foi assistida por mais de 2 milhões de espectadores.
E a gastronomia?
Basta dizer que Macau – com população de 650 mil habitantes em 2016 – tem mais estrelas Michelan que o Brasil, sendo que naquele ano, três restaurantes ostentavam três estrelas no conceituado guia. Dois deles no Grand Hotel Lisboa.
Atualmente, Macau tem dois restaurantes com três estrelas Michelin. Chefs como Joël Robuchon e Alain Ducasse têm operações lá. Nenhum restaurante brasileiro alcançou 3 estrelas no guia mais respeitado do mundo.

Nessa viagem tive a oportunidade de conhecer inúmeros restaurantes: Aux Beaux Arts (do hotel MGM), Salão do Teatro Show Kitchen (do Grand Hyatt Macau), The Seasons – MUST Training Restaurant (da Faculdade de Gestão de Hospitalidade e Turismo), Oasis (do Galaxy Hotel) e 360° Café (do Macau Tower Convention & Entertainment Centre).
O fórum encerrou-se no dia 26, e aproveitei para ficar em Hong Kong até dia 28.
E lá chegando…
Me chamou atenção pessoas me abordando nas ruas, oferecendo-se para confeccionar ternos com as minhas medidas e promessa de entrega em 24 horas. Voltei no dia 28 encantado com o oriente e desejando retornar um dia…
… e o meu desejo foi atendido neste ano

Fui chamado para participar da Festa Internacional das Cidades da Gastronomia, que integrava a programação da celebração dos 25° aniversário do estabelecimento da RAEM (RAE de Macau). Marcus José Rocha (representando a FloripAmanhã) e Carla Cabral Costa (Prefeitura de Florianópolis) ficaram lá entre 13 e 20 de junho, e depois disso, entre os dias 20 e 26, eu e o chef Igor Divaldo Krupp apresentamos dois ‘cooking shows’. Ficamos hospedados em um hotel incrível chamado de The Legend Palace Hotel, localizado no Macau Fisherman Wharf, que é um complexo turístico equipado com três hotéis, 26 operações gastronômicas, lojas diversas, escola, centro de convenção e até um anfiteatro romano para duas mil pessoas. O local é um dos principais destinos para o pré-casamento. Não é raro encontrar casais vestidos a rigor fazendo pose para fotógrafos.
Foi no complexo que aconteceram o Fórum Internacional de Gastronomia, feira de gastronomia e as apresentações culinárias com a participação de 27 cidades criativas do mundo. Vale destacar a feira de gastronomia batizada como “International Gastronomy Promenade” (Passeio Gastronômico Internacional), com a participação de 100 barracas de comida. Comidas tradicionais chinesa, tailandesa, malasiana e filipina estavam presentes, incluindo barracas de hotéis e chefes consagrados, como as barracas da MGM e o Atelier Robuchon. Inesquecível!!!
Os pratos escolhidos para as nossas apresentações culinárias foram Arca de Noé Submarina – servindo diversos frutos do mar e outros ingredientes dentro de uma concha de ostra – e a moqueca mista, por ser um prato popular em nossa cidade.

A moqueca foi introduzida nos cardápios de Florianópolis nos anos 80 pelo chef mergulhador Paulo Eduardo Guinle, no restaurante Martin Pescador. Nossas apresentações foram um sucesso e as que tiveram mais chefs assistindo (com destaque para a presença da dama da culinária tailandesa, chef Nooror Somany Steppe), além do público em geral. No final das apresentações, filas se formavam para provar uma das 50 porções que foram oferecidas ao público.
Eu e Igor tivemos a oportunidade de visitar alguns restaurantes muito bons de Macau. Destaco o Zam Zam – instalado no Regency Art Hotel e comandado pelos chefs Rudralal Pandey e Surendran Arumugam – que apresenta uma fusão de sabores indianos e do Oriente Médio. Destaque para as famosas samosas, tabule e homus. O restaurante Vic’s, comandado pelo chef Martinho Moniz, oferece pratos portugueses tradicionais, como as deliciosas cataplanas e pratos com bacalhau. Não posso deixar de mencionar o consagrado Jade Orchid, que pratica o cruzamento das cozinhas de Shangai com o Cantão.

Porém, o que me chamou mais atenção foi o Ting Mat Mat, um restaurante simples, com 30 lugares e alta rotatividade. Chegamos às 10 da manhã para o que os portugueses de Macau chamam de “pequeno almoço”. Na verdade, participamos de um banquete. Especializado em comida birmanesa, o local foi fundado há 30 anos por imigrantes chineses vindos de Mianmar, e tem 260 pratos no cardápio – desses, provamos uma dúzia, todos impecáveis. A simpatia e dedicação do proprietário e de sua mãe me emocionaram. Desejo retornar e provar mais pratos.

As Chinas que eu vi (depois da Coca-Cola)
No início dos anos 80 li um livro com o título de Henfil na China (Antes da Coca-Cola) escrito pelo cartonista e jornalista Henrique de Souza Filho, conhecido como Henfil. Naquela época, era um país muito pobre, com 900 milhões de habitantes que viviam enfrentando grandes desafios, todos se vestiam da mesma forma (majoritariamente com as cores azul ou cinza escuros). Já imaginaram quantas fábricas são necessárias só para produzir os botões para tantas roupas?
Tudo muito diferente da atualidade! Em 25 de fevereiro de 2021, a potência anunciava o feito mais espetacular da história da humanidade: a erradicação da extrema pobreza no país de 1,4 bilhão de habitantes. Só no meio da pandemia da covid-19 foram retiradas 850 milhões de pessoas da pobreza, numa iniciativa que reduziu em 74% o índice global de pobreza.
Ao pisar em solo chinês, imediatamente comecei a observar diferenças entre a Hong Kong de 2016 e a de 2024. O mesmo aeroporto, porém ampliado para atender a demanda crescente, muito mais moderno e movimentado. Mas o que mais me chamou atenção foi o astral do local. Senti a felicidade das pessoas.

A segunda grande surpresa foi atravessar os 55 km pela ponte que liga Hong Kong a Macau. Em alguns trechos, passávamos por túneis submarinos, e já da ponte, chamavam atenção as construções de conjuntos de arranha-céus de Hong Kong. Chegando em Macau tive que fazer uma segunda entrada na imigração, e mesmo com a proposta de diversificar o turismo para ir além dos cassinos, notei o aumento de turistas da terceira idade visitando praças, centro histórico e museus.
Como Macau não teve dificuldade em fazer parte da Rede de Cidades Criativas da Unesco, não terá em diversificar o turismo, pois já tem os equipamentos.
Também tive a felicidade de encontrar meu Amigo Albertino. Apesar de somente agora a cidade estar se recuperando dos efeitos da pandemia de covid-19, ele me contou um fato muito interessante. Disse que no fim do ano o governo devolve ao contribuinte o imposto que não foi usado!

Inacreditável para um brasileiro! Voltando de Macau, eu e Igor aproveitamos para ficar dois dias em Hong Kong, e foi essa estada a que mais me impactou. Ruas estreitas se transformaram em grandes avenidas, o terminal marítimo de passageiro parecendo um aeroporto de luxo, os bondinhos cortando a cidade como um desfile de cores, lojas de grife luxuosas e gigantescas, escadas rolantes públicas por toda a cidade e muito mais.
Nunca imaginei que uma cidade pudesse mudar tanto em tão pouco tempo. Voltei para o Brasil com uma grande dúvida: por que nosso país, rico como é, não conseguiu alcançar esse grau de desenvolvimento? Pior que a dúvida foi a inveja que trouxe de lá…
