Não tem erro: elas sempre vêm… e dão espetáculo!

De olho na Rota da Baleia Franca, catarinenses aguardam as ilustres visitantes

texto LU ZUÊ

fotos ANTÔNIO CARLOS MAFALDA, CARLOS BORTOLOTTI, EDUARDO VALENTE E PBF/AUSTRALIS

Em Santa Catarina é sempre assim. Todo ano, quando o inverno se aproxima, começam a ser repetidas as mesmas perguntas: Vai nevar ou não? A safra de tainha vai ser boa? O frio vai ser

rigoroso? Mas, independente de quaisquer outras questões, uma coisa é certa: com o frio, as baleias chegam, e dando espetáculo!

Ano após ano, entre julho e novembro, quando ocorre a chamada temporada reprodutiva das baleias da espécie Franca, a costa catarinense aguarda com expectativa e recebe com carinho as ilustres visitantes. Elas vêm da Antártica e percorrem cerca de três mil quilômetros em busca de águas mais calmas, quentinhas e rasas, onde dão à luz e amamentam seus filhotes, e ao longo de aproximadamente cinco meses é comum avistar pares de mãe e filhote, nadando calmamente em paralelo à costa, deixando à mostra ora a enorme nadadeira peitoral, ora a cauda, ou brindando os observadores com impressionantes saltos fora d´água.

E ano após ano, o encantamento que provocam só cresce.

O roteiro de ocorrência e observação se estende de Florianópolis até a cidade de Torres, no Rio Grande do Sul, com destaque para as áreas de Laguna, Imbituba e Garopaba, no Sul de Santa Catarina. Inserida em uma área de preservação ambiental, a chamada Rota da Baleia Franca é reconhecida como o único berçário da espécie no País.

Karina Groch, diretora de pesquisa do Instituto e coordenadora do ProFranca | Foto: PBF/Australis

Em 2020, elas chegaram um pouco mais cedo, e já no dia 25 de junho foram avistadas duas baleias na praia do Campeche, região Sul da Ilha, e uma outra na praia do Mar Grosso, em Laguna. De acordo com o levantamento do Instituto Australis, que desenvolve pesquisas, monitora a presença dos mamíferos no Estado e desenvolve ações de proteção da população de baleias Franca no Brasil, esses foram os primeiros registros na temporada deste ano. E já na primeira semana de julho, uma nova ocorrência no Morro das Pedras, também em Floripa, essa acompanhada de um filhote recém-nascido. “É um pouco raro que já sejam avistados filhotes tão cedo, considerando-se que o início da temporada reprodutiva acontece em julho, mas pode acontecer, e é sempre uma notícia bem-vinda”, comenta a bióloga Karina Groch, diretora de pesquisa do Instituto e coordenadora do ProFranca (Projeto Franca Austral). Segundo ela, a temporada se estende até novembro, e o pico de avistagem acontece entre meados de agosto e de setembro, quando é registrado o maior número de ocorrências de presença da espécie no Estado.

Foto: Eduardo Valente

O número é bem variável, mas, em média, aproximadamente 100 baleias passam a temporada reprodutiva em águas catarinenses a cada temporada. Em 2018, entretanto, foi registrado um número recorde na Rota da Baleia Franca (284 indivíduos). De acordo com os pesquisadores, diversos fatores podem influenciar no número de baleias em áreas reprodutivas, como a quantidade de alimento – quanto mais alimento disponível, mais baleias podem migrar para áreas de reprodução – e os intervalos entre as gestações, por exemplo. Segundo Karina, pelo intervalo de retorno ao “berçário” catarinense, foi possível perceber que as francas têm seus filhotes a cada três anos, em média. Assim, o “boom” de baleias observadas em 2018 não se repetiu no ano seguinte, quando 52 passaram por aqui. Que a temporada 2020 traga muitas e boas surpresas.

Trabalho e investimentos para preservar a espécie

Elas já foram uma das espécies de baleia mais abundantes em águas brasileiras, mas com a caça predatória e indiscriminada praticada desde o século XVII elas quase foram totalmente extintas. Para reverter a situação, há mais de três décadas os pesquisadores vêm concentrando esforços para a recuperação da população de baleias Franca no Sul do Brasil.

O projeto de monitoramento das baleias que frequentam nossa costa começou em 1987, e desde então, mais de mil indivíduos foram catalogadas pelo Instituto Australis. A identificação é feita por meio de um programa de computador que compara o “desenho” das cabeças das visitantes. A Baleia Franca (Eubalaena australis) tem como característica o corpo negro e arredondado, manchas brancas irregulares na barriga e “verrugas” geralmente acinzentadas ou branco-amareladas na cabeça. Essas “verrugas” de nascença são diferentes em cada baleia – uma espécie de digital – o que permite aos pesquisadores conhecê-las individualmente, identificar sua frequência e assim controlar a recuperação da espécie, que ainda é classificada como “em perigo” na lista nacional de espécies ameaçadas de extinção.

Nesta temporada, graças ao patrocínio da Petrobras por meio do Programa Socioambiental, o Instituto Australis colocou em execução o ProFranca – Projeto Franca Austral –, que reforça as ações de conservação da espécie, tanto a partir da a continuidade de pesquisas realizadas a longo prazo como pela execução de metodologias inovadoras aplicadas para descobertas de novas informações biológicas sobre a espécie.

Foto: Eduardo Valente

“O ProFranca vai nos permitir irmos além da manutenção das atividades realizadas tradicionalmente pelo Instituto, ampliando a ação. Além dos investimentos em pesquisas e metodologias de monitoramento, vamos executar novas iniciativas de mobilização social, educação ambiental e capacitações”, conta Karina.

Junto aos pescadores, por exemplo, o Instituto deu início a um trabalho para identificar áreas de sobreposição da pesca com a presença das baleias. A partir dos resultados, em parceria com os pescadores serão identificadas regiões onde a atividade de pesca possa ser realizada minimizando o risco de perda de redes, evitando encontros das mesmas com as baleias.

Este ano, inclusive, pela primeira vez o Instituto está oferecendo um programa de estágio remunerado, voltado a estudantes das áreas de biologia, oceanografia, veterinária e áreas afins, que desejam ampliar seus conhecimentos, além de contribuir para as ações do projeto.

O grupo de 14 estagiários vindos de diferentes regiões do Brasil passou a reforçar a equipe do Instituto já na segunda semana de agosto, com cuidados extras devido à pandemia.

E os esforços realizados ao longo dos anos vêm rendendo bons resultados, o que pode ser comprovado a partir da quantidade de novos indivíduos que a cada temporada procuram as águas catarinenses. Segundo Karina Groch, o crescimento da população chega a 4%, o que pode ser considerado lento, mas sinaliza uma efetiva mudança. “O importante é que temos o nascimento de muitos filhotes e já temos, inclusive, o retorno de alguns que voltaram quando adultos e tiveram seus próprios filhotes aqui! Ou seja, estamos acompanhando segunda e terceira gerações de baleias Franca”, comemora. Karina cita, como exemplo, a baleia apelidada de JDot, conhecida aqui e na Argentina. “Ela foi avistada aqui pela primeira vez em 1988, e depois disso já apareceu outras sete vezes, a mais recente delas em 2017”, complementa.

De acordo com os registros do Instituto, todas as baleias avistadas nos primeiros dias da temporada estavam aqui pela primeira vez, e no final de agosto, foi a vez de uma baleia adulta semi-albina chamar atenção e causar surpresa em Itapirubá. “Ela também ainda não havia sido catalogada. Esse tipo de baleia nasce branca com pintas pretas, e vai escurecendo com o passar dos anos, até ficar cinza. São muito raras, e isso mostra que a população das baleias Franca está se recuperando!”, conclui Karina.

Era baleia, mas não era Franca, e nem adulta

No dia 2 de junho, enquanto as baleias ainda não haviam se tornado notícia nesta temporada, pescadores encontraram um filhote de baleia Jubarte (Megaptera novaeangliae) encalhado na Praia da Lagoinha, no Norte da Ilha, em Florianópolis. A partir daquele momento, teve início uma verdadeira força-tarefa que mobilizou pessoas e entidades na missão de devolver o animal ao mar. Na primeira tentativa, feita no mesmo dia pelos próprios pescadores, a maré baixa e, provavelmente, o cansaço do filhote dificultaram o processo e o animal retornou para a areia.

E desde o início da manhã seguinte, especialistas da Associação R3 Animal, do Instituto Australis e da Polícia Ambiental avaliavam e monitoravam a situação do animal e as condições do mar, enquanto o plano era traçado e pessoas mobilizadas.

Foram, no total, 18 horas de uma tarefa repleta de detalhes e com resultado emocionante. O desencalhe seguiu os protocolos da Área de Preservação Ambiental (APA) da Baleia Franca, e depois que uma retroescavadeira criou uma calha na areia, dois barcos de pesca e um terceiro, de uma empresa de passeios marítimos auxiliaram no resgate, “arrastando” o filhote – de cerca de 10 metros – para o mar, sempre observados por uma plateia ansiosa, que vibrou quando os esguichos de ar e a cauda balançando passaram a ser os únicos sinais da baleia visíveis da praia. Do alto, entretanto, era possível ver um filhote ainda confuso, tentando recuperar o senso de direção e ganhar as águas mais profundas. E assim aconteceu!

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