COMIDA SECULAR EM MADRI
TEXTO E FOTOS – PEDRO MOX BRANDÃO
As paredes em madeira diferenciam ante seus vizinhos, e dão uma idéia da longevidade do local. Estamos no Botín, o restaurante mais antigo do mundo, cuja história mescla-se com a da própria capital espanhola. A construção original data do fim do século 16 – antes, ali, nada havia além de um caminho de passagem aos que andavam pela cidade, conta Jose González, um dos atuais responsáveis pela administração do local.
O restaurante está a poucos metros da Plaza Mayor – mais precisamente ao acesso do Arco de Cuchilleros. Na região central, onde remontam as origens de Madri, instalou-se um cozinheiro francês chamado Jean Botín. Em 1725 um sobrinho de Botín abre uma pequena hospedagem na Calle de Cuchilleros, reformando o prédio. Além do espaço para hóspedes o Sobrino de Botín (como chamou o negócio) também servia pratos aos que passavam pelo local. “O prédio que temos hoje tem metade do tamanho construído em 1725, porém uma parte foi danificada na guerra e precisou ser derrubada” explica José.
São três os fatores responsáveis pelo reconhecimento por parte do livro dos recordes Guinness como restaurante mais antigo do mundo: está em atividade ininterruptamente desde sua abertura, no mesmo lugar e com o mesmo nome. Na vitrine está o certificado da publicação, e em um canto do salão onde conversamos a edição do Guinness com o Botín.
Inicialmente o térreo abrigava mesas e os andares superiores as acomodações dos hóspedes, transformados em quartos para moradia familiar em 1860. A família González mantém até hoje o local com a mesma configuração. A única “reforma” foi instalação de ar-condicionado para maior conforto dos clientes no sufocante verão madrilenho. O piso inferior remanesce da construção original, e é naturalmente fresco. Além das mesas um pequeno espaço é conservado como a antiga adega. Sua passagem se conecta à rede de túneis que percorre Madri e, diz a lenda, chegaria inclusive ao palácio real.
A família de José leva o restaurante desde 1930, quando Amparo e Emílio González, seus avós, adquirem o local – única mudança de família em toda a história. José, junto com Antonio e Carlos, são a terceira geração e quem hoje atende à infinidade de turistas que passam pelo espaço. Efetivamente, enquanto conversamos a cada 15 minutos algum guia turístico passa mostrando o local. “Meus avós, meu pai e meu tio viveram nesta casa. Minha mãe quando estava grávida caiu nas escadas, e meu pai resolveu que deveriam se mudar pois com as escadarias íngremes do século 18 não se podia”, conta, com as lembranças do espaço com apreço familiar. Seus avós permaneceram até 1966, quando mudaram-se para outro prédio.
No cardápio as especialidades aparecem em letras maiúsculas. Dentre as opções de pratos destacam-se leitão assado e cordeiro assado – sobretudo o primeiro, aqui chamado de cochinillo. Procedentes de Segóvia, região famosa por ter os melhores exemplares, são assados em um forno construído junto com a casa, em 1725. “Não é um forno melhor por ser antigo, mas por ter sido construído com características dos modelos da época. Foi feito com ladrilhos de 30cm, espessura de 4cm, refratários, que já não são mais fabricados, sobre uma base de granito”.
E, sobretudo, é um forno aberto, fazendo o leitão seja efetivamente assado, como explica José: “Quando o forno é fechado acaba havendo umidade, que provoca cozimento. Assar é cozinhar apenas com calor do fogo”. O sucesso da receita, que leva louro, vinho branco, cebola e alho, vem da paixão pela cozinha de Emílio González. “Nosso avô é o grande responsável essa história. Era um grande cozinheiro, não teve formação em escolas de gastronomia porém preparava todos os pratos com maestria. Até hoje servimos os pratos conforme as receitas que ele seguia”.
Hemingway
Um dos ilustres freqüentadores do Botín foi o escritor estadunidense Ernest Hemingway, que durante a Guerra Civil Espanhola e no pós-guerra, sempre que estava na cidade aparecia para conversar com Emílio. “Ademais de nos citar em seu livro O Sol Também se Levanta Hemingway vinha aqui, meu pai e meu tio também o conheceram. Porém eram tempos difíceis, de pós-guerra, havia que trabalhar e trabalhar, e nunca fizemos uma foto ou algo assim”. Sobretudo José destaca que a presença de personalidades nunca foi utilizada como forma de divulgação: “Respeitamos a privacidade de quem vem aqui. E além disso queremos que as pessoas venham nos visitar sim pelos assados, pela qualidade da nossa cozinha”. Com o esmero e a dedicação da família González, seguramente muitas outras gerações conhecerão o cochinillo do Botín.